Alemães admitem reparações de guerra à Grécia e um casal até já pagou a sua

A questão das indemnizações da II Guerra é dos maiores mal-entendidos entre Atenas e Berlim. Na Grécia é quase unânime que é legítima, na Alemanha a maioria acha que não era uma questão — mas algo parece estar a mudar.

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A Grécia foi um dos países em que a ocupação nazi foi mais terrível AFP/PATRIK STOLLARZ

A linha oficial da Alemanha sempre foi repetir que a questão está fechada, encerrada, acabada. Mas na semana passada, vozes da ala esquerda dos Sociais Democratas, que governam em coligação com a chanceler, Angela Merkel, e dos Verdes, na oposição, afirmaram que os gregos têm alguma razão na questão que têm levantado sucessivamente há vários anos.

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A linha oficial da Alemanha sempre foi repetir que a questão está fechada, encerrada, acabada. Mas na semana passada, vozes da ala esquerda dos Sociais Democratas, que governam em coligação com a chanceler, Angela Merkel, e dos Verdes, na oposição, afirmaram que os gregos têm alguma razão na questão que têm levantado sucessivamente há vários anos.

“Temos de reconhecer que cometemos uma enorme injustiça na Grécia”, disse Gesine Schwan, nomeada duas vezes pelo SPD candidata presidencial, à revista alemã Der Spiegel.

“O argumento legal da Alemanha não é convincente”, declarou depois Schwan ao diário britânico Financial Times. “Dá a sensação de que a Alemanha não quer enfrentar as suas responsabilidades. Foi possível encontrar uma solução para a Polónia [quando foi criada uma comissão para analisar reparações após a reunificação alemã]. Algo semelhante poderia ser feito com a Grécia”, sugeriu. Também do lado dos Verdes, o líder parlamentar Anton Hoftreiter defendeu que “moral e legalmente, este capítulo está longe de estar completo”.

Mas o ministro da economia, Sigmar Gabriel, do SPD, tinha antes sido taxativo. “A hipótese é zero.”

Na Grécia, a questão já foi levantada por várias vezes junto de responsáveis alemães, mesmo antes da crise. O Governo anterior, do conservador Antonis Samaras, estabeleceu uma comissão para avaliar quanto seria o valor do pedido de compensação da Grécia.

Um empréstimo peculiar
A Grécia foi um dos países em que a ocupação nazi foi mais terrível. Houve massacres, centenas de aldeias foram arrasadas, os nazis confiscaram comida deixando milhares famintos. Morreram mais de 20 mil civis entre 1941 e 1944. 

Mas o que são exactamente as reparações de guerra que a Grécia acha que a Alemanha lhe deve? Há três tipos diferentes. Um é a reparação que o Estado agressor e vencido deve pagar aos Estados agredidos, outras são indemnizações individuais a sobreviventes ou descendentes de vítimas de crimes dos nazis e finalmente há o empréstimo forçado do Banco Nacional grego ao regime nazi.

Como a II Guerra teve parte da sua causa nas reparações impostas à Alemanha por causa da I Guerra, os aliados vitoriosos que dividiram entre si o país tiveram o cuidado de não impor uma conta demasiado elevada à Alemanha devastada. 

Em 1953, a conferência de Londres permitiu um alívio da dívida e adiou a questão das reparações até à unificação. Para a Alemanha, o assunto ficou resolvido com o acordo de 1990 chamado 2+4, entre as duas Alemanhas e os quatro aliados. Mas as reparações nunca ficaram referidas em nenhum tratado. (Enquanto isso, o país continuou a pagar a dívida, reduzida, da I Guerra – terminou de o fazer em Setembro de 2010).

Quanto à II Guerra, a Alemanha pagou ainda assim voluntariamente entre 1959 e 1964 algumas reparações a doze países europeus, lembra a agência noticiosa alemã DPA. França obteve 400 milhões de marcos, a Grécia 115 milhões (segundo a Economist, a quantia grega será equivalente a 57,5 milhões de euros). Anos antes, em 1953, a Alemanha Ocidental tinha concordado pagar três mil milhões de marcos a Israel e 450 milhões para os refugiados vivendo fora de Israel.

Quanto a processos movidos por indivíduos ou grupos, alguns tribunais gregos apreciaram casos individuais e deram razão aos queixosos. Em 2010, chegou a ser visitado o Goethe Institut, braço cultural da Alemanha em Atenas, para avaliação no seguimento de um destes processos, lembra o site de análise Macropolis. Mas estas queixas individuais foram recusadas no tribunal internacional de Justiça em Haia.

Finalmente, há uma particularidade grega: o empréstimo forçado do Banco Nacional do país em 1942. Os nazis não só o documentaram (embora prevendo juro zero), como fizeram um plano de pagamento. "Nos outros países, só tiraram o dinheiro", comenta ao New York Times a académica Katerina Kralova. "Neste caso há um acordo escrito"). Este é assim visto como um caso à parte com hipóteses de sucesso. Tratar-se-ia, segundo estimativas gregas, de 11 mil milhões de euros (cerca de 17% da actual dívida grega à Alemanha, nota a revista Economist). 

O total, juntando as restantes reparações a este empréstimo, poderia ser de 162 mil milhões de euros, segundo estimativas mencionadas na imprensa – metade da dívida total da Grécia de cerca de 300 mil milhões de euros. 

Casal entrega 875 euros
Todos dizem que a discussão das reparações de guerra pelos danos dos nazis deve ser separada das negociações sobre a crise da dívida grega. E de facto, a questão, que agora veio de novo ser abordada pelo Governo do Syriza, já tinha sido levantada por governo após governo grego antes de 2009.

No entanto, a crise mudou o foco e a intensidade do debate e não há discussão em que as reparações de guerra não sejam evocadas. Se a crise é uma questão de dívida, os gregos acham que os alemães também devem (e que foi o perdão de grande parte da dívida que permitiu o seu milagre económico do pós-guerra). Se é uma questão de moral, alguns gregos podem não ter pago os seus impostos, mas isso não tem qualquer comparação com a barbárie dos nazis, que arrasaram aldeias, mataram centenas de homens, rasgaram barrigas de grávidas com baionetas. 

Concordando com o ponto de vista grego sobre as reparações e decidindo tomar a questão nas suas próprias mãos, um casal alemão fez as suas contas. Para Ludwig Zacaro e a sua mulher, Nina Laghe, cada alemão deve 875 euros à Grécia pelos danos da guerra. Quem conta a história do casal é o presidente da câmara da cidade de Nafplio, um porto no Peloponeso, Dimirtis Kotsouros. “Apareceram no meu gabinete, e disseram que nos queriam compensar pela atitude do seu Governo.” Escolheram a cidade por ter sido a primeira capital da Grécia no século XIV. Entregaram então ao presidente da câmara um cheque de 875 euros. Era apenas a parte de um deles – ele é reformado e ela trabalha 30 horas, pelo que não tinham dinheiro suficiente para pagar pelos dois, explicou um jornal local contando a história. A verba foi dada a instituição de caridade da cidade.