Reparar ou preparar a história?

O pedido da Grécia que exige reparações de guerra à Alemanha está longe de ser um tema pacífico.

Quando Alexis Tsipras tomou posse, o primeiro acto oficial foi depositar uma coroa de flores no Memorial da Resistência Nacional em Kaisariani, nos subúrbios de Atenas, prestando homenagem aos comunistas que foram fuzilados pelos nazis a 1 de Maio de 1944, num dos episódios sangrentos da ocupação alemã. Na altura o acto do primeiro-ministro grego foi visto pela imprensa como uma provocação à Alemanha, o país que mais tem resistido à flexibilização das condições do resgate à Grécia.

E mais azedas ficaram as relações depois de o Parlamento grego ter aprovado já este mês a criação de uma comissão que tem como objectivo reclamar reparações à Alemanha relativas à II Guerra Mundial. A pretensão dos deputados do Syriza será, em parte, uma manobra política de distracção para disfarçar o embaraço que o Governo sente por não estar a conseguir cumprir as suas promessas eleitorais. Mas a questão exige uma análise aprofundada, já que a tal comissão mereceu uma aprovação por unanimidade no Parlamento e nenhum governo no passado, independentemente da cor política, abdicou de exigir essas compensações.

Aliás, mesmo no Governo alemão a questão não é pacífica. Wolfgang Schäuble diz que a Grécia “não vai pagar a sua dívida evocando as obrigações alemãs na II Guerra” e Merkel afirma que o “assunto está encerrado, política e judicialmente”. Mas do lado do SPD, parceiro de coligação, já se ouvem vozes a dizer que a Alemanha deveria ponderar uma solução, tal como aconteceu com a Polónia.

Os gregos pedem várias compensações, e aquela que terá uma base legal mais forte diz respeito a um empréstimo forçado que o banco central da Grécia fez à Alemanha, em que os próprios nazis se deram ao trabalho de documentar a operação e o compromisso de devolver o dinheiro (11 mil milhões de euros a preços actuais, sem juros) no fim da guerra. Revisitando a história, a Alemanha diz que o assunto das reparações ficou sanado com o acordo de 1990 chamado "2+4" entre as duas Alemanhas e os quatro aliados. A Grécia, por seu lado, recorda que já em 1990 e em 1995 enviou notas diplomáticas para Berlim a dizer que não renunciaria ao direito de receber as reparações.

Quando discursou no Parlamento a propósito do tema das reparações, Tsipras disse que era preciso “recordar o que se passou quando se pretendeu impor sentimentos de superioridade nacional, em vez dos de solidariedade”. Hoje Tsipras chega a Berlim para a primeira visita oficial e terá oportunidade de discutir o assunto com a chanceler. O tema das indemnizações não deve ser confundido com o do resgate, e nem um, nem outro devem ser encarados como um ajuste de contas. Se forem tratados com base nos tais “sentimentos de solidariedade”, Berlim e Atenas terão aqui uma oportunidade única não de reparar a história, mas de preparar a história.

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