Frei Otto, Prémio Pritzker 2015: morte e celebração de um “titã da arquitectura”

O arquitecto alemão Frei Otto é o Prémio Pritzker 2015. A notícia foi anunciada esta terça-feira em Chicago, um dia após a sua morte na Alemanha, e duas semanas antes do previsto. É a celebração – quase póstuma – de uma obra engenhosa e democrática, marcada pela leveza e pela atenção ao meio ambiente.

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“A notícia da morte [de Frei Otto] é muito triste, um caso sem precedentes na história do prémio. Estamos felizes pelo facto de o júri ter decidido o prémio quando ele estava ainda vivo. Felizmente, depois da decisão do júri, representantes do Pritzker deslocaram-se a casa de Frei Otto para partilhar com ele a notícia”, disse Tom Pritzker, presidente da Fundação Hyatt, com sede em Chicago, EUA, citado no comunicado do Pritzker de anúncio do prémio.

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“A notícia da morte [de Frei Otto] é muito triste, um caso sem precedentes na história do prémio. Estamos felizes pelo facto de o júri ter decidido o prémio quando ele estava ainda vivo. Felizmente, depois da decisão do júri, representantes do Pritzker deslocaram-se a casa de Frei Otto para partilhar com ele a notícia”, disse Tom Pritzker, presidente da Fundação Hyatt, com sede em Chicago, EUA, citado no comunicado do Pritzker de anúncio do prémio.

A decisão do júri, presidido por Lord Peter Palumbo, é justificada por ver na vida e carreira de Frei Otto, desaparecido aos 89 anos, “ideias visionárias, uma mente curiosa, a fé na troca de conhecimentos, um espírito de cooperação e a preocupação com o uso cuidadoso dos recursos”. E acrescenta ver na arquitectura do alemão “uma obra leve, aberta à natureza, luminosa, low-cost, democrática e energeticamente eficiente”.

Frei Otto, diz ainda o comunicado do Prémio Pritzker, “passou a sua longa carreira investigando, experimentando e desenvolvendo uma arquitectura muito sensível que influenciou inúmeros outros arquitectos em todo o mundo”. “As lições do seu trabalho pioneiro no campo das estruturas leves que se adaptam e alteram e que usam meios limitados são tão relevantes hoje como quando foram propostas há 60 anos”.

A seguir, o júri enumera as várias facetas deste arquitecto: “investigador, inventor, descobridor de formas, engenheiro, construtor, professor, colaborador, ambientalista, humanista e criador de memoráveis edifícios e espaços”. E cita alguns dos projectos que materializaram historicamente estes princípios, desde a Igreja de São Lucas, em Bremen (1963), até ao Estádio Olímpico de Munique (1972), com as suas coberturas leves e originais; do Pavilhão da Alemanha na Expo de Montreal (1967), com a sua estrutura de cabos em rede, pré-fabricada na Alemanha e montada no local num curto período de tempo, e que se tornou num sucesso na exposição universal do Canadá “pela sua graça e originalidade”, até ao Pavilhão do Japão na Expo 2000 de Hanôver, Alemanha, desenhado em parceria com Shigeru Ban, que foi, de resto, o vencedor do Pritzker do ano passado, e cuja obra se constrói sobre as mesmas preocupações ambientalistas e solidárias, apresentando várias similitudes com a de Frei Otto.

“Inspirando-se na natureza e nos processos nela encontrados, [Frei Otto] procurou formas de usar a menor quantidade de materiais e de energia para demarcar os espaços. Praticou e avançou ideias de sustentabilidade, mesmo antes da existência desse conceito”, continua o comunicado do Pritzker, enfatizando como o arquitecto alemão se deixou inspirar pelos fenómenos da natureza.

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Frei Otto em Montreal

O colectivo de jurados presidido por Lord Peter Palumbo nota ainda que, “ao longo da sua vida, Frei Otto produziu edifícios e espaços imaginativos, frescos e nunca vistos. Também criou conhecimento. Aqui reside a sua mais profunda influência: não em formas para serem copiadas, mas através dos caminhos que ele abriu através da sua pesquisa e descoberta. As suas contribuições para a arquitectura não foram apenas hábeis e talentosas, mas também generosas”.

Descrevendo a recente visita do comité Pritzker, na pessoa da directora executiva Martha Thorne, ao estúdio de Frei Otto em Warmbronn, perto de Estugarda, a anunciar a decisão do júri, o comunicado revela que o arquitecto se mostrou “muito feliz”. “Nunca fiz nada para ganhar este prémio. O sentido da minha arquitectura foi desenhar novos tipos de casas para ajudar as pessoas mais pobres especialmente após desastres naturais e catástrofes. Mas eu não poderia receber coisa melhor do que ganhar este prémio. Usarei o tempo que me resta para continuar a fazer aquilo que sempre fiz, que é ajudar a humanidade. Sou um homem feliz”, disse então Frei Otto.

Já sobre as circunstâncias inéditas da atribuição do Pritzker deste ano, Lord Peter Palumbo, que classificou Frei Otto como “um titã da arquitectura”, comentou: “O tempo não espera por ninguém. Se alguém duvidasse deste aforismo, a [sua] morte, esta segunda-feira, a poucas semanas de completar os 90 anos, e a poucas semanas também de receber o Pritzker em Miami, representa um triste e impressionante exemplo dessa realidade”.

Nascido a 31 de Maio de 1925 em Siegmar, Frei (um nome que em alemão significa “livre”, e que a mãe terá escolhido depois de ter assistido a uma conferência sobre a liberdade) Otto cresceu em Berlim, numa família de escultores, tendo ele próprio sido aprendiz de pedreiro. Quis estudar arquitectura, mas a II Guerra Mundial mudou-lhe os planos – foi chamado a cumprir serviço militar, como piloto da Luftwaffe. Em Abril de 1945, foi capturado e feito prisioneiro num campo em Chartres, França.

No fim da guerra, Frei Otto regressa finalmente ao estudo da Arquitectura, em Berlim. É o início de uma carreira profissional, cujo perfil seria marcado também pela vivência da guerra e do período imediatamente posterior: por um lado, dar resposta às necessidades de realojamento das populações após a destruição provocada pelos bombardeamentos; por outro lado, “reagir às construções pesadas, para uma suposta eternidade” erigidas sob a III Reich, no seu país natal.

A Fundação Hyatt confirmou, entretanto, que a cerimónia de entrega – póstuma – do prémio se mantém marcada para 15 de Maio, no New World Center, em Miami.

Frei Otto é o segundo arquitecto alemão distinguido com o Pritzker, depois  de Gottfried Böhn, em 1986. Este país iguala assim Portugal – Álvaro Siza (1992) e Eduardo Souto de Moura (2011) –, com dois galardoados com aquele que é considerado o "Nobel" da Arquitectura.