A estreia televisiva da Porta dos Fundos é para ver deitado e ressacado

O colectivo que em três anos se tornou um fenómeno chega esta terça-feira à televisão. A antestreia, na Fox, às 21h45, dá-se no proclamado Dia da Ressaca. E com a imagem na horizontal, rodada 90º.

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Da esquerda para a direita, o realizador Ian SBF e os actores e argumentistas Antonio Tabet, Gregorio Duvivier e João Vicente de Castro. Juntar-se-á a eles o argumentista Gabriel Esteves, chamado desde a assistência. Entre Tabet e Duvivier está Vera Pinto Ferreira, directora da FOX Portugal.

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Da esquerda para a direita, o realizador Ian SBF e os actores e argumentistas Antonio Tabet, Gregorio Duvivier e João Vicente de Castro. Juntar-se-á a eles o argumentista Gabriel Esteves, chamado desde a assistência. Entre Tabet e Duvivier está Vera Pinto Ferreira, directora da FOX Portugal.

É dia 5 de Fevereiro, o escolhido para a apresentação à imprensa da ante-estreia de Porta dos Fundos (o episódio emitido hoje passará novamente, verticalmente correcto, na próxima segunda-feira, dia do episódio semanal da série). O salão do restaurante Montes Claros, em Monsanto, está recheado de jornalistas e de fãs da Porta dos Fundos. Ali, Vera Pinto Pereira ouvirá os humoristas brasileiros explicarem como acabou na televisão essa Porta dos Fundos que se transformou nos últimos três anos em sucesso planetário na Internet (em Portugal é um verdadeiro fenómeno de popularidade) e cujos criadores garantiam não há muito que esse suporte pouco lhes interessava. Antonio Tabet explica o que mudou: “Eles encheram muito o nosso saco e deram muito dinheiro, como recusar?” Já sério, elogia o canal. “Só na FOX é que poderia ser porque dá liberdade total”. E depois lança a punch line. “É que eles nem vêem – eu sei que não vêem”. Não, não é bem uma conferência de imprensa. É o show Porta dos Fundos perante dezenas de fãs e jornalistas.

A série que será emitida a partir de hoje compila os sketches já disponíveis na Internet, criados ao inabalável ritmo de três por semana e que somam cerca de um milhar de milhões de visualizações mundo fora. Novidade, portanto, apenas os separadores da responsabilidade de Gabriel Totoro, o “gordinho simpático” – “é gordo mesmo!” – que falará de temas “escabrosos, pesados, chocantes”: “Vi mais os interlúdios que os sketches mesmo”, confessa Gregorio Duvivier. Para a equipa, não há risco de o espectador sentir o fardo da redundância. Porque a experiência não é mesma no computador ou na televisão. Porque os espectadores não são os mesmos. “São os mesmos vídeos, mas quem consome [na Internet] fá-lo de uma forma muito pessoal. Agora, vai poder castigar a sua família num ecrã de 50 polegadas na sala”, diz Antonio Tabet. “E você será o único a rir”, remata.

A história da Porta dos Fundos é a de uma equipa de guionistas e humoristas que, fartos de trabalhos pouco gratificantes na televisão, decidiram tomar o destino nas suas mãos. Escreveram, filmaram, editaram, montaram e divulgaram de forma independente num canal online. Depois, algo aconteceu. Os curtos vídeos começaram a ser partilhados e o humor extraído do quotidiano, esmiuçando os rituais das relações humanas, foi-se espalhando de forma viral. Três anos depois, o canal é a vida de cada um dos cerca de 30 profissionais que o mantêm em movimento, os projectos para o futuro amontoam-se (longas-metragens serão uma realidade; a França e Inglaterra estão no horizonte) e os integrantes da equipa são já, digamos, estrelas a solo – Fábio Porchat, que não esteve presente na conferência de imprensa, é um dos mais aclamados.

Enquanto confessavam quais os seus sketches preferidos – o pouco conhecido Uma barata no banheiro é o eleito por Gregorio Duvivier; a série O Refém é a escolha de João Vicente de Castro -, foram falando do seu trabalho como inspiração individual transformada em obra colectiva. Cada um tem a sua metodologia criativa – “eu gosto de usar drogas legais na Holanda”, diz Duvivier – e os esboços daí nascidos, organizados por Fábio Porchat, passam depois de mão em mão, retocados, riscados, misturados com outros, tantas vezes deitados fora ou, outras, completamente reescritos. “Deus [em que uma mulher morre e descobre que o Deus verdadeiro é a divindade adorada por uma pequeno tribo polinésia], começou como reunião de todos os deuses. Mas depois fomos eliminando-os um a um”. Sobrou o polinésio e, com ele um sketch em que, de forma muito simples, devidamente herética, se desmascara a ambição de cada religião à universalidade.

No final da conferência de imprensa estarão público, jornalistas e humoristas de olhos nas imagens na parede, onde passam os três minutos de Quem manda, com um pai super protector até ao grotesco e o aterrorizado namorado da filha. Aquele humor, além do apreço e das gargalhadas de milhões, já lhes valeu várias ameaças de processos judiciais por parte das igrejas evangélicas, principalmente após o Especial de Natal criado em 2013, ameaças pouco discretas em operações stop (a polícia brasileira é alvo comum nos sketches e João Vicente de Castro teve um agente a dizer-lhe de cara fechada: “se fosse outro policial, atirava você já para o mato”), ou perdas de contratos publicitários com empresas de fast-food - a gerente responsável pela mesma chamava-se Kellen e levou a peito o sketch em que uma rapariga procura aquele nome nas latas de refrigerante dispostas numa prateleira de supermercado: “Ah, Kellen não tem. Nome de puta qualquer um faz”, explica o empregado.

Na génese do humor da Portas dos Fundos não estão comediantes brasileiros como Chico Anysio ou Jô Soares (“são génios, mas não é o que fazemos”). Por eles passam as palavras de Luis Fernando Verissimo ou Millôr Fernandes, passa o legado obrigatório dos Monty Python. “Gostamos de humor realista, contaminado pela net ou por desenhos animados nada ingénuos como Family Guy”, diz Gregório Duvivier.

Enquanto cresciam, contam, procuravam sem encontrar um humor arrojado, sintonizado com o seu tempo - os Monty Python, sendo geniais, eram passado. Entre outras coisas, acabariam por descobrir descobriram uns certos Gato Fedorento activos lá longe na Europa – e, de caminho Bruno Aleixo, e agora admiram João Quadros, César Mourão ou Salvador Martinha. “Era inteligente, era novo, ousado, nonsense”, entusiasma-se Duvivier – “já disse que o Ricardo Araújo Pereira é o maior humorista da língua portuguesa?”, exclamará três ou quatro vezes durante a conferência.

Um grupo de humoristas brasileiros olharam para o outro lado do Atlântico e entusiasmaram-se. Burilaram as suas ideias, atiraram-se à realidade que os rodeava e perceberam que só a total independência criativa seria satisfatória. A Internet adoptou-os num ápice. A televisão não resistiu. Chegam a agora a Portugal. Na horizontal. No auto-proclamado Dia Nacional da Ressaca.