Foto de casal gay na Rússia dá World Press Photo a fotógrafo dinamarquês

Imagem faz parte de um projecto maior de Mads Nissen, que quer mostrar ao mundo como é difícil ser gay num país como a Rússia.

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É como se estivéssemos ali com aquele casal. Naquele quarto, à luz média. A imagem íntima premiada pelo júri do World Press Photo faz parte de um projecto maior de Mads Nissen chamado Homofobia na Rússia, que quer mostrar ao mundo como pode ser muito difícil ser gay num país como a Rússia, onde as minorias sexuais são perseguidas.

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É como se estivéssemos ali com aquele casal. Naquele quarto, à luz média. A imagem íntima premiada pelo júri do World Press Photo faz parte de um projecto maior de Mads Nissen chamado Homofobia na Rússia, que quer mostrar ao mundo como pode ser muito difícil ser gay num país como a Rússia, onde as minorias sexuais são perseguidas.

Mads Nissen, que trabalha para o diário dinamarquês Politiken, vê nesta fotografia, tirada em São Petersburgo, “a história moderna do Romeu e Julieta”: são duas pessoas que se amam mas que todos os dias têm de lutar por esse amor num país preconceituoso que não aceita a diferença. São duas pessoas que se amam entre quatro paredes e de cortinas fechadas.

A fotografia de Mads Nissen venceu também o primeiro prémio da categoria de Temas Contemporâneos.

“É um tempo histórico para esta imagem, a imagem vencedora tem de ser estética, ter impacto e ter o potencial de se tornar um ícone. Esta foto é esteticamente poderosa e tem humanidade”, escreveu em comunicado a presidente do júri, Michele McNally, directora de fotografia e editora assistente do New York Times.

Na Rússia, a comunidade LGBT [lésbicas, gays, bissexuais e transgéneros] é discriminada tanto social como legalmente, e é ainda vítima de ataques de ódio de grupos nacionalistas e religiosos. Há mais de 20 anos que a homossexualidade deixou de ser crime neste país, no entanto, as minorias sexuais vivem num clima de insegurança e de impunidade.

“Hoje em dia, os terroristas usam imagens gráficas para propaganda. Temos de responder com alguma coisa mais subtil, intensa e que nos faça pensar. Estávamos à procura de uma imagem que fizesse a diferença amanhã e não apenas hoje”, escreve Pamela Chen, membro do júri e directora editorial do Instagram. “Esta é uma questão contemporânea, é a vida quotidiana, é notícia”, destaca ainda.

Para a editora da Vogue Itália, Alessia Glaviano, a imagem premiada mostra como o amor pode ser a resposta no contexto actual do mundo. “É sobre o amor como um tema global, de uma forma que transcende a homossexualidade”, defendeu a jurada. “Manda uma mensagem forte ao mundo, não é só sobre a homossexualidade mas sobre a igualdade, sobre o género, sobre ser preto ou branco, sobre todas as questões relacionadas com minorias.”

Mads Nissen esteve dois anos na Rússia a desenvolver este projecto. Foi testemunha da violência que qualquer casal homossexual enfrenta em plena rua. O dinamarquês já tinha feito algo semelhante quando passou dois anos em Xangai a documentar as repercussões sociais e humanas do crescimento económico chinês. 

Os prémios, atribuídos pela fundação homónima com sede em Amesterdão desde 1955, distribuem-se por oito categorias em que são distinguidos os três primeiros prémios. À edição deste ano, foram submetidas 97.912 imagens de 5692 fotógrafos de 131 países. No final, foram premiados 42 fotógrafos de 17 nacionalidades: Austrália, Bangladesh, Bélgica, China, Dinamarca, Eritreia, França, Alemanha, Irão, Irlanda, Itália, Polónia, Rússia, Suécia, Turquia, Reino Unido e Estados Unidos. O vencedor recebe 10 mil euros de prémio, além de uma máquina e um conjunto de lentes, e os distinguidos com os primeiros prémios em cada categoria recebem 1500 euros.

A epidemia do ébola, o conflito na Ucrânia e a tragédia do MH17, cuja queda em Julho no Leste do país provocou 298 mortos, e a Guerra de Gaza foram alguns dos acontecimentos que marcaram 2014. Todos estes acontecimentos estão representados no prémio mas Donald Weber, fotógrafo canadiano que integrou o júri, diz que é importante que Mads Nissen tenha vencido “porque não faz falta ir à guerra para vencer o World Press Photo”. “Também há formas subtis de documentar assuntos completos, e a homofobia é um problema grave na Rússia.” 

A categoria mais disputada é habitualmente a de notícias, na qual a organização do prémio divide entre locais e gerais. Este ano, o fotógrafo da AFP Bulent Kilic, que já tinha sido considerado fotógrafo do ano 2014 pela Time ou pelo Guardian, venceu o primeiro e o terceiro lugar na categoria individual de Spot News (Notícias locais) com imagens da Turquia. Na fotografia que valeu a Bulent Kilic o primeiro prémio vemos uma menina que ficou ferida no funeral de Berkin Elvan, o adolescente turco que morreu 269 dias depois de ter sido atingido na cabeça por uma granada de gás lacrimogéneo disparada pela polícia durante os protestos de Junho em Istambul. O funeral de Elvan tornou-se uma das maiores manifestações em Istambul contra o Governo de Erdogan.

Tyler Hicks, fotógrafo do New York Times, ficou em segundo lugar com a imagem do ataque de Israel, em Julho, que matou quatro rapazes dos nove aos 11 anos numa praia, junto ao porto da Cidade de Gaza. 

Jérôme Sessini, da Magnum Photos, venceu o primeiro e segundo lugar na categoria de reportagem de actualidade local (Spot News Stories) com duas fotografias da Ucrânia. A primeira do desastre do voo da Malaysia Airlines e a segunda com a destruição da praça Maidan causada pelos protestos de Kiev, em Fevereiro. A foto vencedora na categoria geral foi também tirada na Ucrânia – um pormenor de uma cozinha destruída em Donetsk de Sergei Ilnitsky.

Peter Muller venceu na categoria de reportagem de actualidade geral com a sua cobertura da epidemia do ébola na África Ocidental e Glenna Gordon ficou em segundo lugar com as fotografias dos bens das meninas raptadas por Boko Haram. Sergey Ponomarev venceu o terceiro lugar com as fotos do conflito de Gaza para o New York Times.

Lars Boering, director do World Press Photo, criticou o grande número de candidaturas submetidas ao prémio cujas fotografias tinham sido manipuladas. “Parece que alguns fotógrafos não conseguem resistir à tentação de melhorar esteticamente as suas imagens”, apontou em comunicado o responsável, mostrando-se “desiludido” e explicando que 20% das candidaturas ao prestigiado concurso foram rejeitadas por isso.

Este ano, o World Press Photo apresentou uma novidade ao criar a categoria de Projectos de Longa Duração que, segundo os critérios do concurso, deviam ser compostos por uma colecção de 24 a 30 fotos tiradas durante três anos (pelo menos três imagens tinham de ser tiradas no ano passado). Foram apresentadas a concurso 510 histórias e a vencedora foi a norte-americana Darcy Padilla com a história da família de Julie Baird, marcada pela sida, a pobreza e os problemas com droga. 

A lista completa de vencedores pode ser consultada aqui.