Metade dos doentes com cancro morre sem ter acesso a cuidados paliativos

"Não resolvo os problemas só com morfina", sublinha o presidente da Associação Portuguesa de Cuidados Paliativos, Manuel Luís Capelas.

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Actualmente, mais de 60% dos portugueses morrem nos hospitais DANIEL ROCHA

A realidade, porém, é muito diferente: entre a referenciação dos doentes oncológicos graves para os cuidados paliativos e o acesso a uma unidade e a uma  equipa com formação nesta área "mais de metade acaba por morrer" porque chega numa fase tardia e fica a aguardar demasiado tempo. “A lista de espera é grande em quantidade e em tempo, cerca de 30 dias, quando muitos doentes chegam com sete ou seis dias de vida”, estima Manuel Capelas que é enfermeiro e professor adjunto na Universidade Católica Portuguesa. A agravar, acrescenta, “em hospitais de agudos não temos nenhuma cama para doentes complexos”.

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A realidade, porém, é muito diferente: entre a referenciação dos doentes oncológicos graves para os cuidados paliativos e o acesso a uma unidade e a uma  equipa com formação nesta área "mais de metade acaba por morrer" porque chega numa fase tardia e fica a aguardar demasiado tempo. “A lista de espera é grande em quantidade e em tempo, cerca de 30 dias, quando muitos doentes chegam com sete ou seis dias de vida”, estima Manuel Capelas que é enfermeiro e professor adjunto na Universidade Católica Portuguesa. A agravar, acrescenta, “em hospitais de agudos não temos nenhuma cama para doentes complexos”.

Se nesta contabilidade entrarem ainda todos os outros doentes que necessitam de cuidados paliativos em Portugal, além dos oncológicos, a situação ainda é pior.  “Cobrimos apenas cerca de 10% da população portuguesa que precisa de paliativos”, lamenta.  

Não é fácil lidar com doentes graves e incuráveis e o melhor é começar o mais precocemente  possível. “Não basta medicar os doentes. Não resolvo os problemas só com morfina, é preciso tratar de questões que se prendem com o controlo dos sintomas, a sobrecarga dos familiares, a gestão de expectativas e a preparação o luto”, explica.

Lançada em 2006, a Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados foi o catalisador do desenvolvimento deste tipo cuidados  prestados a doentes incuráveis e graves, mas a rede baseou-se sobretudo no internamento, afirma Manuel Capelas, para quem é nas equipas que vão a casa das pessoas (as equipas domiciliárias) que deve assentar o grosso deste tipo de cuidados, até porque se sabe que a maior parte das pessoas prefere morrer em casa.

Os doentes que estão em hospitais de agudos são referenciados para a rede e, depois de controlados, o ideal é que sejam enviados para casa e nem todos  necessitam de ser seguidos por uma equipa de paliativos, sublinha ainda o enfermeiro, que nota que, sem se poder contar com médicos de família e oncologistas, não vai ser possível dar uma resposta adequada à população. A situação melhorou, de facto, mas a evolução foi muito assimétrica, e actualmente há uma "grande desigualdade no acesso", com distritos com resposta e outros sem resposta, descreve.

"Os cuidados no domicílio são os que estão pior organizados, é o nosso maior défice, e mesmo dentro dos hospitais as condições são más", admite  Nuno Miranda, coordenador do Programa Nacional para as Doenças Oncológicas. Ainda assim, nota que Portugal aumentou significativamente a capacidade dos cuidados paliativos nos últimos anos. “Há uma década não tínhamos quase nada”, lembra.

"A resposta é muito escassa", contrapõe Elga Freire, coordenadora do Núcleo de Estudos de Medicina Paliativa da Sociedade Portuguesa de Medicina Interna. Há alguns anos calculava-se que seriam necessárias 133 equipas de cuidados domiliciários e 102 equipas intra-hospitalares de suporte (uma  em cada unidade hospitalar). Actualmente, há 17 equipas domiciliárias e  32 equipas intra-hospitalares, contabiliza a médica do Centro Hospitalar do Porto. 

Pensando só nos doentes oncológicos, "cerca de 60% dos que vão morrer beneficiariam de cuidados paliativos", estima Elga Freire. Nos pacientes não oncológicos, esta percentagem ronda os 40%, diz. " É preciso, pois, formar e treinar em cuidados paliativos todos os profissionais de saúde que tratam estes doentes e a criar de estruturas em número suficiente para poder responder às reais necessidades da população portuguesa", defende. É importante que a resposta seja rápida, até porque, se proporcionados na fase mais precoce da doença, os cuidados paliativos melhoram a qualidade de vida dos doentes e aumentam a longevidade, acrescenta.

Em teoria, todos os profissionais de saúde deveriam ter  formação em cuidados paliativos, mas só recentemente é que a Ordem dos Médicos criou  uma competência nesta área e não ainda há formação pré-graduada em paliativos.  Quanto aos enfermeiros, esses  vão passar a contar em breve com esta nova especialidade. 

Um inquérito recentemente efectuado demonstrou que 51% dos portugueses preferem morrer em casa, 36% em cuidados paliativos e apenas 8% em hospitais. Actualmente, mais de 60% dos portugueses morrem nos hospitais.