De extinção em extinção até à extinção final do mastodonte americano

Ao voltar a datar fósseis de mastodonte, uma equipa de cientistas descobriu que na zona do Alasca foi o frio que causou o desaparecimento deste mamífero há mais de 50.000 anos.

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Ainda não se sabe qual o grau de responsabilidade dos humanos, recém-chegados à América do Norte, neste desaparecimento. Uma equipa de cientistas voltou a datar muitos fósseis de mastodonte que tinham sido descobertos no Alasca e no Canadá. Segundo as novas datações, tinha havido uma extinção regional do mastodonte nas regiões árcticas e subárcticas há mais de 50.000 anos, e não há menos de 20.000 anos, como se pensava até agora.

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Ainda não se sabe qual o grau de responsabilidade dos humanos, recém-chegados à América do Norte, neste desaparecimento. Uma equipa de cientistas voltou a datar muitos fósseis de mastodonte que tinham sido descobertos no Alasca e no Canadá. Segundo as novas datações, tinha havido uma extinção regional do mastodonte nas regiões árcticas e subárcticas há mais de 50.000 anos, e não há menos de 20.000 anos, como se pensava até agora.

Para os autores, foi o frio e não os humanos a causa da extinção dos mastodontes no Norte do continente americano, segundo um artigo ontem na revista Proceedings of the National Academy of Science. Os mastodontes continuaram a viver bastante a sul do Alasca e do Canadá durante mais umas dezenas de milhares de anos. Contudo, a extinção final, há 10.000 anos, mantém-se misteriosa.

Os mastodontes fazem parte da ordem Proboscidea, onde se incluem os mamutes e os elefantes. Surgidos em África, separaram-se da linhagem dos mamutes e elefantes há cerca de 30 milhões e espalharam-se pela Europa – incluindo Portugal, onde se encontraram fósseis no vale do Tejo e no vale do Sado – e pela Ásia. Na Europa estes mamíferos desapareceram há cerca de dois milhões de anos. Mas viveram mais tempo no continente americano, para onde entretanto migraram através de uma ponte terrestre, no estreito de Bering, entre a Ásia e a América do Norte. Aqui, evoluíram para uma espécie nova. Os fósseis mais antigos do mastodonte americano cujo nome científico é Mammut americanum têm 3,5 milhões de anos.

O mamute-lanudo, Mammuthus primigenius, que surgiu só há 200.000 anos na Ásia e viveu até há 5000 anos, chegou a conviver com o mastodonte na América do Norte. Além das diferenças anatómicas – o mamute podia ter mais de quatro metros de altura, era cabeçudo e as enormes presas eram enroladas para dentro, enquanto o mastodonte atingia dois a três metros e tinha presas encurvadas para cima –, havia diferenças ecológicas.

“Os mamutes-lanudos dependiam de gramíneas e de outro tipo de pastagem, e estavam bem adaptados a habitats semiáridos de estepes e tundra, geralmente sem árvores”, explica o artigo da equipa, cujo primeiro autor é Grant Zazula, do Programa de Paleontologia de Yukon, do Governo do Território do Yukon, no Canadá, ao lado do Alasca. “Por outro lado, os mastodontes dependiam de árvores e habitavam preferencialmente bosques de coníferas e bosques mistos com pântanos”, lê-se no artigo.

Depois do penúltimo período glaciar, veio um período mais quente há cerca de 125.000 anos, em que as florestas de coníferas chegaram até ao Alasca, e com elas estariam os mastodontes. Mas há 75.000 anos já tinha voltado um novo (e último) período glaciar, que deveria ter tido impacto nas populações de mastodontes: as baixas temperaturas teriam obrigado as florestas de coníferas a recuar para sul, substituídas pela tundra.

“Os dentes de mastodonte eram eficazes a desfolhar e esmagar os galhos, as folhas e os troncos de arbustos e árvores”, explica Grant Zazula, num comunicado do Museu Americano de História Natural, em Nova Iorque. “Por isso, pareceria improvável que eles fossem capazes de sobreviver em zonas como o Alasca e o Yukon, no último período glaciar.”

No entanto, as datações por carbono 14 de fósseis de ossos de mastodonte daquelas regiões indicavam que havia fósseis com mais de 50.000 anos (a idade máxima que o carbono 14 consegue datar), mas também com apenas 18.500 anos, em plena altura glaciar. Estes resultados sugeriam que as populações de mastodontes se mantiveram lá quando já não havia árvores e sobreviveram, pelo menos, até muito perto da grande extinção das 70 espécies de mamíferos, há 10.000 anos.

Nesse contexto, era impossível não meter os humanos na equação das causas da extinção dos mastodontes no Alasca e Yukon, já que entrámos na América do Norte, pelo estreito de Bering, há cerca de 13.000 anos.

Mas a contradição ecológica sobre a alimentação dos mastodontes e os ecossistemas existentes durante o último período glaciar levou a equipa a duvidar das antigas datações de carbono 14. “É razoável suspeitar de que as datas relatadas no passado estavam erradas”, dizem os autores.

As novas datações de dezenas de fósseis revelaram que os ossos são de mastodontes que calcorreavam o Alasca e o Yukon há mais de 50.000 anos. As antigas análises estariam contaminadas.

“Os mastodontes não habitaram o Norte durante muito tempo”, diz Grant Zazula. “O avanço da glaciação há 75.000 anos levou ao extermínio dos seus habitats.”

Algum tempo antes da derradeira extinção, há 10.000 anos, a Terra voltou a aquecer, os gelos recuaram e as coníferas reconquistaram o Canadá e o Alasca. As alterações do clima podem ter tido um papel na extinção final. O certo é que o mastodonte americano já não voltou ao Norte.