“E bebés?” Questão suscita cada vez mais queixas de candidatas a emprego

Ordem denunciou o caso de várias médicas a quem, nos concursos de selecção para unidades do Serviço Nacional de Saúde, foi perguntado se pretendiam engravidar, algo que o bastonário veio condenar.

Foto
Os bebés alimentados apenas com leite materno crescem mais nos primeiros quatro/seis meses de vida Adriano Miranda

No assunto do email enviado à Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego (CITE) lia-se “desabafo”. “Com este texto apenas pretendo dar a conhecer a outras pessoas que a discriminação não acontece apenas nas grandes empresas das cidades, mas em todo o lado e até em empresas que ganham prémios PME Líder”, refere esta mulher, que nunca se identifica. “Sei que não haverá consequências para a empresa, pois nada tenho que prove a discriminação, mas pelo menos fico com o sentimento de dever cumprido!”

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

No assunto do email enviado à Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego (CITE) lia-se “desabafo”. “Com este texto apenas pretendo dar a conhecer a outras pessoas que a discriminação não acontece apenas nas grandes empresas das cidades, mas em todo o lado e até em empresas que ganham prémios PME Líder”, refere esta mulher, que nunca se identifica. “Sei que não haverá consequências para a empresa, pois nada tenho que prove a discriminação, mas pelo menos fico com o sentimento de dever cumprido!”

Esta é apenas uma de muitas queixas que recebem. Esta chegou esta semana, referiu ao PÚBLICO a presidente da CITE, Sandra Ribeiro. Todos os dias chegam à Linha Verde da CITE, serviço de informação gratuito da comissão (800 204 684), cerca de cinco queixas informais de mulheres como esta a quem, no processo de recrutamento para trabalho, é perguntado algo como: “Então e bebés?” São muito raras as que avançam para queixas formais. “Não temos nenhuma queixa sobre recrutamento com perguntas discriminatórias entrada este ano”, diz a responsável.

A Ordem dos Médicos denunciou nesta quinta-feira o caso de várias médicas a quem, nos concursos de selecção para unidades do Serviço Nacional de Saúde (SNS), foi inquirido se pretendiam engravidar, algo que o bastonário, José Manuel Silva, veio condenar. O bastonário referiu que a denúncia foi feita a um advogado da Ordem dos Médicos. José Manuel Silva afirmou que a situação se passou em entrevistas em concursos de provimento de admissão em unidades do Sistema Nacional de Saúde, embora as jovens médicas em causa não queiram identificar-se, nem nomear os júris em que a situação ocorreu, por receio de serem penalizadas. Contudo, o advogado a quem estas médicas solicitaram ajuda colocou a questão por escrito à direcção da Ordem, escreveu a Lusa.

Sandra Ribeiro diz que a CITE não recebeu qualquer queixa das médicas e apela as estas mulheres para que avancem com uma queixa formal: “Gostaria de fazer um apelo às jovens médicas para que apresentem queixa do ocorrido junto da CITE, que é o mecanismo nacional da igualdade com competências para apreciar queixas sobre discriminação de género no acesso ao emprego.”

“O que me entristece e me deprime é estas perguntas terem sido colocadas por médicos”, afirmou o bastonário num encontro com jornalistas, para promover o XVII Congresso Nacional de Medicina, que decorre na próxima semana em Lisboa, que tem como um dos temas precisamente a questão da promoção da natalidade em Portugal. “As mulheres têm cada vez menos condições para engravidar. Não se dá estabilidade, nem condições de trabalho com dignidade e ainda se põem entraves. Perante isto, tudo o que se possa falar de medidas para aumentar a taxa de natalidade é uma hipocrisia”, declarou o bastonário, citado pela Lusa.

Não há queixas formais
A presidente da CITE diz que este tipo de práticas discriminatórias é transversal a todos os sectores, a saúde não é excepção. À Linha Verde da CITE chegam todos os dias queixas que relatam este tipo de situação e em que as mulheres perguntam: “É legal esta pergunta?” O que respondem é que não, viola o princípio constitucionais da igualdade e é expressamente proibido pelo Código de Trabalho

“Temos noção de que é prática corrente perguntar às mulheres na fase de recrutamento se estão a pensar engravidar.” O problema é mesmo a falta de queixas formais. “É muito raro que as pessoas venham formalmente apresentar queixas. Dizem que estavam sozinhas quando lhes foi feita a pergunta na entrevista, que não têm forma de provar, e que não estão em condições de denunciar.” E recusam revelar o nome da empresa com receio de serem prejudicadas no mercado de trabalho.

No caso do sector privado, a responsabilidade para aplicar penalizações nestes casos cabe à Autoridade para as Condições do Trabalho, que pode aplicar coimas que variam de acordo com o volume de negócio da empresa, explica Sandra Ribeiro. No sector público cabe às inspecções dos ministérios agir, mas não está previsto nenhum sistema de contra-ordenações. “No limite, pode haver procedimento disciplinar”, diz.

Em Junho deste ano, Joaquim Azevedo, o líder da comissão multidisciplinar que o PSD encarregou de apresentar um plano de promoção da natalidade e cujas propostas deverão ser conhecidas no final deste mês, disse que havia empresas que estavam a obrigar as suas funcionárias a assinar por escrito o compromisso de que não iriam engravidar nos próximos cinco anos. No entanto, não revelou o nome das empresas que praticavam este ilícito.