Do valor literário – ou não – do Prémio Leya

O maior prémio literário português tornou-se com os anos um prémio doméstico, e obviamente comercial, que tem distinguido livros de qualidade mediana. Mas há excepções.

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Apesar do elevado valor monetário do Prémio Leya, ele parece não ser apelativo para os escritores lusófonos mais ou menos consagrados ou com obra publicada e reconhecida (aconteceu apenas com o moçambicano João Paulo Borges Coelho, vencedor em 2009 com O Olho de Hertzog), ao contrário do que sucede em Espanha com o Prémio Planeta (igualmente instituído por um grupo editorial, e aberto a todo o mundo hispânico), que entre outros autores consagrados distinguiu, por exemplo, Gonzalo Torrente Ballester, Camilo José Cela, Mario Vargas Llosa, ou mais recentemente Eduardo Mendoza (com o romance Rixa de Gatos). Mendoza admitiu então ter interrompido a sua voz literária para conquistar um outro público: para isso mudou o cenário habitual dos seus romances – de Barcelona para Madrid – e introduziu mais diálogos. O motivo, claro, foi o dinheiro (o valor do prémio Planeta é de quase meio milhão de euros).

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Apesar do elevado valor monetário do Prémio Leya, ele parece não ser apelativo para os escritores lusófonos mais ou menos consagrados ou com obra publicada e reconhecida (aconteceu apenas com o moçambicano João Paulo Borges Coelho, vencedor em 2009 com O Olho de Hertzog), ao contrário do que sucede em Espanha com o Prémio Planeta (igualmente instituído por um grupo editorial, e aberto a todo o mundo hispânico), que entre outros autores consagrados distinguiu, por exemplo, Gonzalo Torrente Ballester, Camilo José Cela, Mario Vargas Llosa, ou mais recentemente Eduardo Mendoza (com o romance Rixa de Gatos). Mendoza admitiu então ter interrompido a sua voz literária para conquistar um outro público: para isso mudou o cenário habitual dos seus romances – de Barcelona para Madrid – e introduziu mais diálogos. O motivo, claro, foi o dinheiro (o valor do prémio Planeta é de quase meio milhão de euros).

 

Excepções

O primeiro vencedor do Prémio Leya, em 2008, foi o jornalista e guionista brasileiro Murilo Carvalho com o romance O Rastro do Jaguar. A acção tem lugar no virar do século XIX, durante a guerra entre o Paraguai e o Brasil (aliado à Argentina e ao Uruguai). Pereira, um jornalista de origem portuguesa narra as suas memórias sobre a história de várias guerras, “grandes e pequenas”, mas sobretudo acerca da luta de “um homem em busca de sua alma e de seu povo”: Pierre de Saint’Hilaire, um índio guarani que foi músico na Europa, soldado no Paraguai, e que se transformou em “Jaguar, o profeta-guerreiro de uma nação agonizante”, em busca da mítica Terra Sem Males. Não é estranho, dado o autor ser guionista há vários anos, que a linguagem narrativa seja tão próxima da cinematográfica, com inúmeros cortes e flashbacks. Mas o que num guião de cinema poderia ser uma virtude, apoiada num bom trabalho de montagem, corre o risco de no romance poder resultar exagerado ou até mesmo atabalhoado; e é isso que, por vezes, acontece. Fica-se com a sensação de que a “montagem” foi um pouco apressada, ou mal programada. O que poderia ser um tique pós-moderno (se tivesse corrido bem), não resultou completamente. No resto, é um romance virtuoso, competente, com uma história em jeito de saga que prende o leitor, contada numa linguagem escorreita, sem pose. Não deixa de ser um livro recomendável.

Escrevemos atrás que havia duas excepções à mediania literária dos romances vencedores do Prémio Leya, e a primeira delas é O Olho de Hertzog, do escritor moçambicano João Paulo Borges Coelho (n. 1955). É uma história que tem lugar em Moçambique, sobretudo em Lourenço Marques, no rescaldo da Primeira Guerra Mundial, e de que sobressai a figura real do jornalista João Albasini, à época fundador de vários jornais na antiga colónia portuguesa. Pelo meio há um misterioso oficial alemão que anos antes tinha sido largado de pára-quedas de um zepelim em plena selva, no Norte de Moçambique, para se juntar às tropas alemãs do general Lettow, que na sua fuga do exército inglês ia acumulando vitórias até ao momento de ter de se render por não fazer mais sentido lutar, pois a Alemanha perdera já a guerra. É um romance bem estruturado, com uma organização interna admirável e com aquele domínio da escrita e da narrativa a que os anteriores livros do autor já tinham habituado os seus leitores.

Os vencedores nos anos de 2011, 2012 e 2013, foram autores portugueses, respectivamente, João Ricardo Pedro (n. 1973), Nuno Camarneiro (n. 1977), e Gabriela Ruivo Trindade (n. 1970). De entre as obras dos três autores nomeados, sobressai O Teu Rosto Será o Último, de João Ricardo Pedro, pelo talento com que o autor manipula o imaginário da ficção e pela qualidade e segurança da escrita, quase inesperadas para uma primeira obra; os outros dois romances vencedores são obras menores, de suposto potencial comercial, que, apesar da linguagem escorreita e de alguma agilidade narrativa, enfermam de tiques de “armar ao literário”. Aliás, na recensão feita a um deles nas páginas deste suplemento, o crítico António Guerreiro, com algum exagero, falou em “imitação da literatura”. Mas curiosamente – e este seria um ponto interessante a desenvolver numa outra altura – foi o livro de maior qualidade literária aquele que de entre todos mais vendeu: O Teu Rosto Será o Último fez nove edições, 35 mil exemplares. E encontra-se em tradução em várias línguas.