Tecnologia à flor da pele com Arca

O que é que Björk, Kanye West e FKA Twigs têm em comum? Um produtor de 24 anos, natural da Venezuela, chamado Alexandro Ghersi, ou seja Arca, que se estreia agora com o álbum Xen.

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Também a sempre atenta Björk deu por ele e convidou-o para co-produzir o seu nono e novo álbum. No entanto não é crível que muitas pessoas saibam o seu nome.

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Também a sempre atenta Björk deu por ele e convidou-o para co-produzir o seu nono e novo álbum. No entanto não é crível que muitas pessoas saibam o seu nome.

Acontece com alguns dos melhores produtores. Mas Alejandro Ghersi, nascido na Venezuela, de 24 anos, mais conhecido por Arca, não vai ficar na sombra. E para o provar aí está a assinar o primeiro álbum a solo, Xen.  

Até aqui era conhecido por providenciar sonoridades bizarras e futuristas a figuras que se movimentam no centro do mercado, ou com potencial para o virem a fazer – para além dos mencionados, poder-se-ia falar também da cantora americana Kelela ou de Mykki Blanco.

Dito assim, poder-se-ia imaginar alguém com um estilo especial capaz de agradar a uma larga fatia de ouvintes, mas não é por aí. A sua música é alienígena, com qualquer coisa de elástico, viscoso e metálico.

É um som de configurações digitalizadas retorcidas, ângulos rítmicos inesperados, muito espaço, orquestrações com qualquer coisa de glaciar e uma adrenalina sensual alienígena. O álbum agora lançado é como reunir aleatoriamente um acervo de microrganismos digitais que foram arremessados ao chão, e depois de repescados, o resultado final produzir sentido. 

Mais pensar do que dançar


“O que é isto!!?”, “isto não é sequer humano!” ou “que doideira de música!” são algumas das expressões de estranheza mais correntes que se podem ler a acompanhar a sua música e vídeos na internet. Ele costuma dizer que a última coisa que deseja é que a sua música seja recebida passivamente e está a consegui-lo.

Faz parte de uma geração de misteriosos produtores (de Actress a Oneohtrix Point Never ou Andy Stott) que começaram por fazer híbridos electrónicos no quarto, mas os seus temas são ambíguos, desviando-se das convencionais noções de melodia e ritmo, fazendo mais pensar do que dançar.

Deu-se a conhecer com os EPs Stretch 1 e Stretch 2, vagamente inspirados no hip-hop, a que se seguiria a mixtape “&&&&&” o ano passado. Nessa altura ainda habitava em Nova Iorque. De há um ano a esta parte está em Londres, uma mudança operada por querer estar perto do namorado (o fotógrafo e artista multimédia Daniel Sannwald), mas também do artista e videasta Jesse Kanda – responsável por alguns dos notáveis vídeos de FKA Twigs – de quem é amigo e colaborador.

Parte da adolescência passou-a em Caracas, a capital da Venezuela, ouvindo Aaliyah, Autechre ou Nine Inch Nails, antes de ser admitido, aos 17 anos, na Escola de Artes e Ciências da Universidade de Nova Iorque. Ali começou a criar canções electrónicas inspiradas pela vida e música de Arthur Russell ou pelas composições mais estranhas de Aphex Twin ou Björk.

Depois surgiu o convite de Kanye West. Ao lado de Evian Christ e Hudson Mohawke, ele era a carta electrónica do artista de massas que não receia rodear-se de agentes das margens.  Nas raras entrevistas que tem dado refere que quando foi convidado a enviar música ao americano optou pelo material mais estranho que tinha. O rapper gostou e deu-se então o encontro.

Com FKA Twigs a junção foi mais instantânea. Conheceram-se em Nova Iorque e, segundo ela, quinze minutos depois de começarem a conversar resolveram de imediato trabalhar em conjunto. “Entendemo-nos naturalmente”, afirmou ela, acrescentando que até aí todas as pessoas que lhe haviam sugerido melodias ou letras, tinham levado uma nega.

Dizia-lhes: “peço desculpa, são as minhas canções, escrevo as letras e componho as melodias.” Mas com ele foi diferente. “Com Alejandro senti de imediato que podia existir uma relação de confiança e abertura mútua e ficámos grandes amigos.”

No álbum de FKA Twigs existem estilizações que remetem para Arca ou vice-versa. Mas o álbum de estreia dele é outra coisa. Ainda se vislumbram vestígios de hip-hop por entre ritmos desorientadores e alguns fragmentos vocais, mas a maior parte são temas instrumentais desafiadores, tão contemplativos quanto singulares, qualquer coisa de pós-humano, numa construção desengonçada de orquestrações e teclados sintéticos.

Em termos sonoros e visuais movimenta-se nos interstícios: entre apresentar um som enegrecido ou de clarões brancos, entre ser homem ou mulher, entre ser inteligível ou alienígena.  A sua relação com Jesse Kanda faz lembrar a de Aphex Twin com Chris Cunningham, música e imagens participando no mesmo imaginário.

Para Arca, como já havia feito com FKA Twigs, o canadiano Jesse Kanda cria imagens distorcidas, corpos ambíguos, robotizados ou hiper-humanos, dependendo da interpretação. Não é difícil perceber porque é que a islandesa Björk se deixou enredar na sua música.

As suas inquietações filosóficas tocam-se e existe a mesma vontade de dotar a música popular de qualquer coisa de novo. Numa altura em que o acesso instantâneo ao passado criou a ideia que tudo é derivativo, eis Arca a criar uma identidade sonora singular.

A forma como trabalha a tecnologia é diferente, qualquer coisa de tangível, sensual, à flor da pele. No cinema a possibilidade de experimentar uma nova sexualidade, maquinal, já havia sido ensaiada, por exemplo em Crash (1996) de David Cronenberg.

Dir-se-ia que, agora, Arca consegue-o com música, através da erotização das máquinas, numa lógica de moldagem onde os corpos sonoros retorcidos expõem uma música sensual de superfície metálica.