João Louro vai representar Portugal na Bienal de Veneza

Autor das Blind Images, ou dos sinais de trânsito que apontam destinos literários, foi escolhido pela curadora espanhola María de Corral, que já o convidara para a exposição colectiva que comissariou na Bienal de Veneza de 2005

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O artista português João Louro e a comissária María de Corral João Miranda

Terminado o prazo de aluguer do Fondaco Marcello, um antigo armazém de gôndolas junto ao Grande Canal que acolheu anteriores representações portuguesas na Bienal de Veneza – contratempo ultrapassado em 2013 com o cacilheiro de Joana Vasconcelos, que funcionou com um pavilhão nacional flutuante –, a Direcção-Geral das Artes (DGArtes) está agora a “estudar várias opções”, disse ao PÚBLICO o seu responsável, Samuel Rego. É já certo, no entanto, que em 2015 voltará a “haver um espaço físico, um edifício”, garante Rego. Também o orçamento disponível não foi ainda definitivamente fixado, estando designadamente dependente da contribuição da Fundação EDP, que “terá um papel muito relevante, sobretudo no apoio ao desenvolvimento artístico do projecto”, explicou ainda o director-geral das Artes.

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Terminado o prazo de aluguer do Fondaco Marcello, um antigo armazém de gôndolas junto ao Grande Canal que acolheu anteriores representações portuguesas na Bienal de Veneza – contratempo ultrapassado em 2013 com o cacilheiro de Joana Vasconcelos, que funcionou com um pavilhão nacional flutuante –, a Direcção-Geral das Artes (DGArtes) está agora a “estudar várias opções”, disse ao PÚBLICO o seu responsável, Samuel Rego. É já certo, no entanto, que em 2015 voltará a “haver um espaço físico, um edifício”, garante Rego. Também o orçamento disponível não foi ainda definitivamente fixado, estando designadamente dependente da contribuição da Fundação EDP, que “terá um papel muito relevante, sobretudo no apoio ao desenvolvimento artístico do projecto”, explicou ainda o director-geral das Artes.

O facto de se ignorar, por enquanto, o espaço que acolherá a exposição de João Louro é um dos motivos que leva o artista a não poder adiantar muito sobre o trabalho que poderá desenvolver para a Bienal de Veneza. “Vão alugar um espaço, mas ainda não se sabe em que sítio será, o que é uma contrariedade para decidir que tipo de trabalho produzir”. A outra razão para João Louro não se “precipitar já com muitas ideias” decorre do próprio processo de escolha dos artistas que representam o país na Bienal de Veneza. “Nestas circunstâncias, quando é a comissária que escolhe o artista, o trabalho tem de ser de equipa, tem de haver cumplicidade e colaboração, temos de procurar ambos a melhor solução para o espaço que nos vier a ser destinado”, disse João Louro ao PÚBLICO.

Afirmando-se “muito honrado” por ir trabalhar com María de Corral, Louro diz que foi a então responsável do Reina Sofia que o “ensinou a ver arte” na primeira metade dos anos 90, através das “exposições importantíssimas” que organizou no museu de arte moderna de Madrid, num período em que havia “muito pouco que ver em Portugal”. Mas só veio a conhecê-la melhor em 2005, quando foi um dos artistas convidados para a colectiva A Experiência da Arte, que Corral comissariou para o pavilhão de Itália na Bienal de Veneza desse ano.

Logo que conheça o espaço com o qual terá de trabalhar, o artista e a comissária disporão de meio ano até à inauguração da bienal. Começarão “por uma parte mais conceptual, de discussão de ideias”, à qual se seguirá a produção física da obra, e depois a sua montagem no local onde irá ser vista. Um processo que incluirá ainda a publicação de um livro, centrado neste trabalho para a Bienal de Veneza, mas que lançará também um olhar global sobre a carreira do artista, “com textos importantes de alguns autores”, entre os quais se contará, para satisfação de João Louro, um curador e crítico de arte com quem já trabalhou e que particularmente admira, o brasileiro Paulo Herkenhoff, actual director do Museu de Arte do Rio de Janeiro.

Sair do romantismo

Nascido em 1963, João Louro estudou Arquitectura na Universidade de Lisboa e Pintura na Escola de Artes Visuais Arco e, como artista plástico, está representado em diversos museus e colecções internacionais. A sua obra é geralmente situada na descendência da arte conceptual e do minimalismo, e o modo como o seu trabalho aborda criticamente diversos aspectos da sociedade contemporânea fá-lo ainda correr o risco de ser rotulado como artista político, designação que rejeita, por considerar que a obra de arte propriamente politizada “fica aquém” do “desígnio mais geral” da criação artística. O que lhe interessa, precisa, são “os sinais do tempo”, e é ao olhar para a realidade presente que a política “pode atravessar” o que faz. É justamente este imperativo de testemunhar o tempo em que vive que abre espaço para a criação.  “Apesar de estar a anos-luz dele, e de saber que isto pode parecer pretensioso, a grande vantagem que tenho sobre Andy Warhol é poder falar de temas de que ele já não pode falar”, diz.

Usando a pintura, a escultura, a instalação, o vídeo ou a fotografia, a sua obra interessa-se simultaneamente pela linguagem – um conceito que aqui abarca a criação literária ou a indagação filosófica, mas também, por exemplo, o cinema – e a imagem e a visualidade. Ele próprio assume como seu desígnio a “reorganização visual do mundo”.

Um mundo em que “há imagens a mais”, e daí ter começado a apagá-las, criando as suas célebres Blind Images, onde superfícies negras surgem acompanhadas de legendas que remetem para imagens desaparecidas. Algumas dessas legendas parecem directamente tiradas da imprensa, como a que diz, em castelhano: “Minutos antes de iniciarse el combate: Johnson a la izquierda, Cravan a la derecha sentado. De espaldas, su hermano Otho. Barcelona (Iris-Park), 12 de abril de 1916”. Arthur Cravan, o carismático poeta e boxeur amador que os dadaístas e surrealistas admiraram, lutou efectivamente com o peso-pesado Jack Johnson em Barcelona, em 1916, para custear a sua passagem para os EUA.

Este sobrinho de Oscar Wilde, cujo principal talento talvez fosse a capacidade de se reinventar incessantemente, é uma das inúmeras referências culturais que Louro convoca, a par de Lautréamont, Artaud, Walter Benjamin, ou, para citar apenas mais uma, Ludwig Wittgenstein, autor que dificilmente poderia deixar de interessar um artista que tem na reflexão em torno da linguagem um tópico central da sua obra.

Um dos seus trabalhos mostra um poste de sinalização com as direcções e distâncias para se chegar, não a Lisboa ou Madrid, mas Bataille, ou Beckett, ou Benjamin, ou Wittgenstein, sintomaticamente o mais distante (ou o que levou mais longe o seu pensamento?), a 6500 km. Outro é um desses painéis com campainhas que se vêem nos prédios, mas os inquilinos deste prédio inexistente, cujos nomes aparecem junto aos botões, chamam-se Albert Camus, Boris Vian ou Jean Genet.

Também o cinema, e em particular o film noir americano, é uma presença (ou talvez mais precisamente uma ausência) recorrente na obra de Louro. Como a cultura popular em geral, revisitada através de figuras de vários domínios, como o mágico Houdini ou o cantor Elvis Presley. O artista tem uma extensa série de trabalhos que se apresentam como pinturas em grande formato representando capas de livros célebres do cânone ocidental: Les Chants de Maldoror, de Lautréamont, The Origin of Species, de Darwin, o Brave New World, de Huxley, ou o Ulysses de Joyce, entre muitos outros.

Mas Louro faz notar que estes são “livros que não se podem ler”, cujo conteúdo “é rasurado”, ou seja, que são apagados, tal como as Blind Images ou os fotogramas de filmes representados apenas através das palavras que os legendam. Uma das suas obras inspiradas em sinais de trânsito é um painel com várias indicações, da auto-estrada que leva a Maquiavel ao metro que conduz ao Petit Poème en Prose. E ainda uma pequena placa que aponta a direcção de um lugar em cujo nome talvez se possa ver uma síntese da sua obra: Vanishing Point.

Resumindo ele próprio o que o move enquanto artista, João Louro diz ter-se apercebido desde cedo que “tinha vontade de sair do paradigma romântico”, no qual considera que ainda vivemos. Ao império do criador demiúrgico romântico, tenta opor uma arte que “dê protagonismo ao espectador”. Procura substituir “aquela coisa da mão, da assinatura, da obra terminada” por uma obra que se deseja sempre incompleta e que só o espectador, cada espectador, pode terminar.