Restos de uma herança

No meio desta abissal ignorância, em certas matérias Hitler defendia algumas teses que hoje estão na moda e têm a sua dose de fanáticos.

Falava sobre tudo com uma autoridade de que ninguém se atrevia a duvidar: sobre a natureza do cosmos e o destino da Terra, a natureza do homem (e da mulher), o cristianismo, o protestantismo e o catolicismo (que imparcialmente detestava), a sopa de Esparta e a dieta dos vikings, os romances que se deviam ler e não ler (ele nunca lera nenhum), a literatura recomendável ao perfeito nazi (Karl May – um autor para adolescentes), Júlio Verne e um desconhecido chamado Dohl.

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Falava sobre tudo com uma autoridade de que ninguém se atrevia a duvidar: sobre a natureza do cosmos e o destino da Terra, a natureza do homem (e da mulher), o cristianismo, o protestantismo e o catolicismo (que imparcialmente detestava), a sopa de Esparta e a dieta dos vikings, os romances que se deviam ler e não ler (ele nunca lera nenhum), a literatura recomendável ao perfeito nazi (Karl May – um autor para adolescentes), Júlio Verne e um desconhecido chamado Dohl.

Ficavam ainda na conversa “normal” os milhares de ódios que o sustentavam e de que de certa maneira vivia: a aristocracia da Prússia, advogados, diplomatas, funcionários públicos, generais, professores primários, padres, gente que não respeitava as leis de trânsito (e que ele mandava logo fuzilar) e, naturalmente, judeus. Mas, no meio desta abissal ignorância, em certas matérias Hitler defendia algumas teses que hoje estão na moda e têm a sua dose de fanáticos. Convém dizer, para quem não saiba, que Hitler era vegetariano e não bebia, nem fumava, para preservar a sua saúde e acabar pessoalmente de pôr em pé o império nazi. Enormes tiradas contra a “carne” ou a favor do pão integral, da batata ou de legumes crus (das crudités) ocupam dezenas de páginas (ou de horas).

Hitler também defendia com ardor o uso (futuro) de energias “renováveis”. No caso dele: o vento e a água. Não por causa do efeito de estufa, que ninguém conhecia, mas porque previa que dali a um século o homem esgotaria o carvão e o petróleo no mundo inteiro. Para evitar ou adiar essa catástrofe, Hitler planeava proibir, depois da guerra, a “sobre-motorização” da economia e os transportes, incluindo os transportes militares. Só que a estas tendências pastorais, ele juntava o elogio eminentemente moderno da inovação (a Alemanha precisava de se tornar uma enorme fonte de inovação), da iniciativa privada e do apoio ao “mérito” fosse ele o que fosse e viesse donde viesse. O império nazi estaria sempre à frente em tudo o que se tratasse de ciência e tecnologia. Para felicidade da “raça germânica” e dos sub-humanos que a rodeavam. Alguns restos da herança de Hitler continuam connosco.