Rússia acusa Ucrânia de cometer "genocídio" da população russófona

Separatistas pró-russos vêm denunciando a existência de valas comuns, o que ainda não foi confirmado por fontes independentes.

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Desde o início da guerra, em Abril, já morreram cerca de 3500 pessoas Gleb Garanich/Reuters

A acção contra líderes políticos e militares da Ucrânia partiu da Comissão de Investigação da Federação Russa (CIFR), um órgão criado em 2011 para "melhorar o desempenho das agências responsáveis por investigações preliminares", segundo a lei assinada pelo então Presidente, Dmitri Medvedev. Na prática, o CIFR retirou à procuradoria-geral essa competência e o seu responsável, Alexander Bastrikin, reporta directamente ao chefe de Estado russo.

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A acção contra líderes políticos e militares da Ucrânia partiu da Comissão de Investigação da Federação Russa (CIFR), um órgão criado em 2011 para "melhorar o desempenho das agências responsáveis por investigações preliminares", segundo a lei assinada pelo então Presidente, Dmitri Medvedev. Na prática, o CIFR retirou à procuradoria-geral essa competência e o seu responsável, Alexander Bastrikin, reporta directamente ao chefe de Estado russo.

"Os investigadores descobriram que desde o dia 12 de Abril de 2014 pessoas não identificadas pertencentes à liderança política e militar ucraniana, às Forças Armadas da Ucrânia, à Guarda Nacional da Ucrânia e ao [partido ucraniano de extrema-direita] Sector Direito deram ordens para matar apenas cidadãos de língua russa nas repúblicas de Lugansk e Donetsk, em violação da Convenção para a Prevenção e Punição do Crime de Genocídio, de 1948, e outras leis internacionais de condenação do genocídio", lê-se no comunicado publicado no site da Comissão de Investigação da Federação Russa.

Os investigadores russos dizem ter provas de que foram usados rockets Grad e Uragan e outro tipo de armamento pesado para matar apenas cidadãos de língua russa nas províncias de Donetsk e Lugansk, cujo território é reclamado por separatistas pró-russos desde Abril, numa guerra que já fez pelo menos 3500 mortos.

"Pelo menos 2500 pessoas foram mortas nessas operações. Para além disso, mais de 500 casas, instalações de serviços comunitários e serviços essenciais, hospitais, creches e escolas foram destruídos e danificados, e mais de 300.000 pessoas viram-se obrigadas a procurar refúgio na Federação Russa, temendo pela própria vida e pela sua saúde", prossegue o comunicado.

O texto termina com uma referência à punição prevista pelas leis russas para crimes de genocídio, a que estarão sujeitos "líderes políticos e militares que deram ordens para matar a população de língua russa": de 20 anos de prisão até à pena de morte.

Em resposta a esta investigação, a procuradoria-geral da Ucrânia acusou a Comissão de Investigação da Federação Russa de "ajuda a uma organização terrorista", "interferência com a actividade de um agente responsável pela aplicação da lei" e "interferência com a actividade de um chefe de Estado".

Ao criar um departamento dedicado especificamente a investigar "crimes alegadamente cometidos contra civis" no Leste da Ucrânia, e ao pretender levar a tribunal líderes políticos e militares ucranianos, a Comissão de Investigação da Federação Russa estará "a interferir ilegalmente com o trabalho das agências responsáveis pela aplicação das leis na Ucrânia e nas Forças Armadas da Ucrânia", acusa a procuradoria-geral ucraniana.

Para a Ucrânia, a investigação lançada pela Rússia "tem como objectivo auxiliar as organizações terroristas da República Popular de Donetsk e da República Popular de Lugansk na sua actividade criminosa, bem como impedir que representantes do Governo [da Ucrânia] e figuras públicas cumpram as suas obrigações".

Nesta terça-feira, o porta-voz da Comissão de Investigação da Federação Russa criticou a resposta da procuradoria-geral ucraniana, classificando-a como "uma reacção defensiva inadequada de um grupo de indivíduos que age a coberto do gabinete da procuradoria-geral da Ucrânia".

Citado pela agência Interfax, Vladimir Markin disse que a reacção ucraniana vai levar a Rússia "a estudar o papel" das pessoas em causa "no encobrimento do genocídio contra a população russófona" da região conhecida como Donbass.

Denúncias de valas comuns
A Ucrânia, por um lado, e os separatistas e a Rússia, por outro lado, têm trocado acusações de crimes de guerra durante o conflito armado nas províncias de Donetsk e Lugansk. Nos últimos dias, os separatistas pró-russos têm anunciado a descoberta de várias valas comuns na região de Donetsk, onde terão encontrado dezenas de corpos.

O vice-primeiro-ministro da autoproclamada República Popular de Donetsk, Andrei Purgin, disse que foi encontrada uma nova vala comum em Komunar, com corpos de combatentes e civis. "Foram encontrados nove corpos numa mina abandonada em Komunar, cinco deles de combatentes executados a tiro e os restantes de civis", disse Purgin, citado pela agência russa Itar-Tass.

O mesmo responsável disse que só na cidade de Donetsk foram mortas 400 pessoas desde o início do conflito, em Abril. "A maioria dessas pessoas está na morgue do hospital Kalinin. Uns 90% são civis", disse Andrei Purgin, referindo-se à estimativa de pessoas mortas desde Abril em Donetsk e não ao número de corpos encontrados em valas comuns na mesma região, como alguns sites têm noticiado.

Os relatos sobre a descoberta de valas comuns ainda não foram confirmados por nenhuma organização internacional independente. No seu relatório diário, a Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE) limita-se a dar conta de que os seus membros "visitaram três locais indicados por representantes da autoproclamada República Popular de Donetsk como sendo sepulturas não marcadas".

"Dois desses sítios estão localizados na área conhecida como a mina de carvão de Komunar, nos arredores de Nijna Krinka (35 quilómetros a nordeste de Donetsk). A missão [da OSCE] visitou esses dois locais pela primeira vez no dia 23 de Setembro. O terceiro sítio está localizado à entrada de Nijna Krinka. A missão foi escoltada por dois representantes da autoproclamada polícia da República Popular de Donetsk durante a visita à área", lê-se no relatório da OSCE publicado na segunda-feira.

Organizações como a Amnistia Internacional e a Human Rights Watch publicaram relatórios que denunciam atrocidades cometidas por ambos os lados do conflito.

Numa declaração publicada na quarta-feira da semana passada, a Human Rights Watch salientou que "as forças do Governo ucraniano lançaram rockets Grad não teleguiados sobre áreas residenciais que mataram dezenas de civis e feriram muitos outros, em zonas de Donetsk controladas pelos insurgentes durante ataques lançados em Julho e Agosto".

No dia 7 de Setembro, a Amnistia Internacional divulgou um relatório em que acusa as forças fiéis a Kiev e os separatistas pró-russos de "mostrarem desprezo por vidas civis e cometerem violações flagrantes das suas obrigações internacionais". No documento, a organização cita testemunhos de "raptos, tortura e assassínios" de civis por parte de separatistas e "raptos e espancamentos" por membros de batalhões de voluntários que combatem sob as ordens do Exército de Kiev, em especial o Batalhão Aidar, que opera na região de Lugansk.