Salvar a Constituição do Tribunal Constitucional

A ideia é resolver os conflitos de interesse (que sempre surgem numa comunidade de pessoas) de acordo com esses valores, mas, na prática, estes valores podem ser tão abstratos ou tão vagos que não são aptos a fundamentar uma decisão que se destine a pôr termo a um conflito; p.ex. se "A" chama “vigarista” a "B", este irá invocar o direito à honra para obter uma reparação; "A", por sua vez, invocará o direito à livre expressão para justificar a sua conduta. Como deve decidir o juiz?

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A ideia é resolver os conflitos de interesse (que sempre surgem numa comunidade de pessoas) de acordo com esses valores, mas, na prática, estes valores podem ser tão abstratos ou tão vagos que não são aptos a fundamentar uma decisão que se destine a pôr termo a um conflito; p.ex. se "A" chama “vigarista” a "B", este irá invocar o direito à honra para obter uma reparação; "A", por sua vez, invocará o direito à livre expressão para justificar a sua conduta. Como deve decidir o juiz?

É necessário, por isso, concretizar o modo como os valores operam na resolução de conflitos – é assim que surgem as leis. Na maior parte dos casos, cada norma jurídica descreve uma situação típica de conflito de interesses e associa a este uma solução que resulta da concretização de um certo valor jurídico (p.ex.”se alguém causar um dano a outrem”...“fica obrigado a indemnizar o dano causado”).

Simplesmente, esta concretização implica também uma interpretação do valor fundamental em que se inspira; isto porque cada valor permite várias soluções que, em abstrato, são igualmente justas, e a opção por uma delas é muitas vezes motivada por razões de ordem política ou outra. Esta interpretação do valor fundamental tem de ser levada a cabo pela mesma entidade que “escolheu” aquele valor fundamental, que é o Povo (arts. 3.º e 108.º CRP), através dos seus representantes eleitos (arts. 3.º e 10.º CRP).

O poder fundamental de escolher e concretizar, através das leis, os valores fundamentais da sociedade portuguesa pertence ao Povo; esse poder é delegado nos representantes eleitos (art. 147.º CRP).

Assim, cada lei traduz uma certa ideia de justiça, que os tribunais devem respeitar na resolução dos conflitos que lhes são apresentados. Não podem os juízes resolver litígios segundo a sua ideia de justiça, pois tal violaria o princípio da separação de poderes (art. 111.º CRP) e, acima de tudo, a regra fundamental de que cabe ao povo definir o que é justo.

A função do TC é assegurar que as leis (concretização de certo valor fundamental feita pelo legislador, através de uma lei) está dentro dos limites desse valor tal como este aparece consagrado na CRP e não ofende outros valores constitucionais.

Quando o TC declara uma lei inconstitucional em nome de um “Princípio da Confiança”, que não está consagrado em qualquer norma da CRP, está a inventar valores constitucionais, ultrapassando os limites da sua competência e violando a mesma CRP – aliás, com este fundamento o TC pode declarar a inconstitucionalidade de qualquer lei.

Assim, tanto faz ter esta Constituição, outra ou nenhuma, porque o resultado será sempre o mesmo.

Docente da Escola de Direito da Universidade Católica Portuguesa, no Porto