Ambos são bons

Powell é um escritor superior, vexado pela inferioridade social que sente. Proust é um génio do aproveitamento do eu, usando o snobismo como pano de fundo.

Anthony Powell pode ter lido Proust e outros romancistas e poetas franceses, mas, tal como o narrador, Nick Jenkins, chumba no conhecimento da língua francesa. Sabe mais do que os compatriotas, mas isso não é dizer muito – e muito menos transformá-lo em Proust.

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Anthony Powell pode ter lido Proust e outros romancistas e poetas franceses, mas, tal como o narrador, Nick Jenkins, chumba no conhecimento da língua francesa. Sabe mais do que os compatriotas, mas isso não é dizer muito – e muito menos transformá-lo em Proust.

Proust era um escritor interior, apaixonado pelo que sentia, que foi capaz de se apresentar como uma pessoa fascinada por outras pessoas inferiores, por muito socialmente superiores que fossem e literariamente inferiorisíssimas.

Powell é um escritor superior, vexado pela inferioridade social que sente. Proust é um génio do aproveitamento do eu, usando o snobismo como pano de fundo. Powell é uma vítima do complexo de inferioridade que sente em relação a quem é apenas "socialmente", classisticamente superior a ele. Aos olhos dele.

O génio dele, como observador, satirista e metafísico, é ridicularizar o particular enquanto celebra, com regozijo e relutância, o universal.

Querer aproximar-se da única, estranha e entediante obra-prima de Proust – que só daqui a cem ou duzentos anos perceberemos, para mal ou para bem – é o principal defeito do boníssimo romance, em 12 curtos volumes, de Powell.

Proust era muito menos sistemático. Proust era vingativo e narcisista; doente e perverso. Powell era um moralista saudável e um gozão. Não é pena. Nem é mau: é bom.