O universo em seu redor

Cada nova edição de material inédito de John Coltrane assume a importância de evento à escala mundial. Este Offering não é excepção

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Ao ouvir John Coltrane não escutamos apenas a prestação do momento mas todo um universo sonoro que nos toca

Captada em Novembro de 1966, alguns meses antes da morte de Coltrane, a música contida nestes dois CD tem algo de transcendental, simultaneamente misteriosa, enigmática e fascinante. O tipo de acontecimento por que anseiam todos os admiradores daquele que é o mais influente saxofonista de todos os tempos. 

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Captada em Novembro de 1966, alguns meses antes da morte de Coltrane, a música contida nestes dois CD tem algo de transcendental, simultaneamente misteriosa, enigmática e fascinante. O tipo de acontecimento por que anseiam todos os admiradores daquele que é o mais influente saxofonista de todos os tempos. 

Infelizmente, a qualidade de gravação, realizada com um único microfone para uma rádio universitária, não é a melhor, relegando esta edição para um patamar abaixo dos colossais Live in Japan, editado em 91, e One Down, One Up (Live at the Half Note), editado em 2005. Nesta ocasião, descrita por alguns como um transe ou alucinação colectiva, a secção rítmica — formada por Alice Coltrane no piano, Sonny Johnson no contrabaixo (em substituição de Jimmy Garrison) e Rashied Ali na bateria, aos quais se juntam um grupo de percussionistas recrutados na vizinhança e dois saxofonistas locais — mal se ouve, excepto nos breves momentos em que se calam Coltrane e Pharaoh Sanders, estes sim, bem captados e audíveis. 

Para além das limitações (severas) de som, há ainda outro factor que faz com que esta seja uma edição mais dirigida a fãs devotos, coleccionadores ou completistas da obra de Coltrane: o saxofonista estava audivelmente agitado, endiabrado e frenético, não possuindo na ocasião o grau de concentração que é uma das suas características mais notáveis. As improvisações em temas como NaimaCrescent ou My Favorite Things surgem com roturas, com súbitas alterações de rumo, como se o saxofonista estivesse a experimentar algo de novo (!). 

Dito isto, e particularmente para aqueles já tocados pela obra do genial músico, não faltam nesta edição razões que a tornam essencial e obrigatória, merecedora de mil estrelas, se é que isso importa. Antes de mais, o facto de que oferece uma nova perspectiva sobre a música do saxofonista. A energia e excitação que se vivia em palco leva Coltrane, por mais do que uma vez, a pousar o saxofone e cantar ou, mais exactamente, vocalizar. E se Coltrane estava agitado, Pharoah Sanders estava possuído, realizando algumas das improvisações mais incendiárias e brutais que lhe conhecemos, tornando-se assim uma figura chave destas gravações. No final, concluida uma set-list que inclui ainda versões de Leo e Offering, fica a sensação de que “participámos” em algo de único, de verdadeiramente especial. Quando ouvimos Coltrane entram em jogo o tangível e o intangível, não escutamos apenas a prestação do momento mas sim todo um universo sonoro que nos toca, nos move e nos inspira. Offering - Live at Temple Universitypassou agora a fazer parte desse universo.