Febre de sábado à noite em N'Djamena

Um olhar "por dentro" sobre o Chade.

Foto
A grande virtude de Grigris, um filme do Chade, é que não retrata a miséria com compaixão miserabilista

Grigris é também o nome do protagonista do filme, uma espécie de Travolta da febre de sábado à noite de N’Djamena, que apesar de uma perna doente e quase inútil é um dançarino exímio e sonha com uma vida onde a dança seria a sua profissão. Durante o dia trabalha na loja do velho padrasto, a tirar fotografias por encomenda, depois o padrasto adoece e, para lhe pagar as contas do hospital, Grigris mete-se com uma mafiazeca local, que se dedica ao contrabando de gasolina. É claro que tudo dá para o torto e sair de N’Djamena torna-se, no mais imediato dos sentidos, uma questão de vida ou de morte, para Grigris e para a sua amiga Mimi, uma miúda que faz uns biscates na prostituição enquanto aspira a uma carreira como modelo.É tudo uma grande miséria, claro, mas a virtude de um olhar “por dentro” é que não retrata a miséria com compaixão miserabilista. As coisas limitam-se a ser o que são, e por vezes, como nas muitas sequências na discoteca, a miséria é substituída pela euforia de qualquer discoteca
posh em Nova Iorque ou em Londres. É o ponto mais conseguido do filme, o modo como a música e a dança põem em perspectiva a descrição das ruas e do quotidiano de determinado bairro pobre de N’Djamena. Conseguido é também o registo narrativo de Haroun, muito standard, muito “euro-americano” na découpage, no ritmo, na mise-en-scène, até na emulação dos trâmites do “filme de máfia” quando essa passa a ser uma questão. Mas isto, claro, é uma face de dois gumes, que também limita o filme, como se ele fosse pensado para não maçar o gosto formatado das audiências ocidentais, bem longe do lirismo e da especificidade de alguém como Souleymane Cissé, para citar um cineasta da África francófona que até —há muitos anos — chegou ao circuito comercial. Independemente disto, Grigris tem virtudes que cheguem para justificar uma espreitadela: o par protagonista, ele de fácies peculiaríssimo pleno do “carisma dos feios”, ela uma rapariga bonita e escultural; e a sequência final, a mais singular em todo o filme, quando uma porção da África rural e “profunda” entra em confronto com a “modernidade” urbana e mafiosa, numa espécie de encruzilhada que justifica o tom, nada triunfal, em que tudo se conclui. 

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

Grigris é também o nome do protagonista do filme, uma espécie de Travolta da febre de sábado à noite de N’Djamena, que apesar de uma perna doente e quase inútil é um dançarino exímio e sonha com uma vida onde a dança seria a sua profissão. Durante o dia trabalha na loja do velho padrasto, a tirar fotografias por encomenda, depois o padrasto adoece e, para lhe pagar as contas do hospital, Grigris mete-se com uma mafiazeca local, que se dedica ao contrabando de gasolina. É claro que tudo dá para o torto e sair de N’Djamena torna-se, no mais imediato dos sentidos, uma questão de vida ou de morte, para Grigris e para a sua amiga Mimi, uma miúda que faz uns biscates na prostituição enquanto aspira a uma carreira como modelo.É tudo uma grande miséria, claro, mas a virtude de um olhar “por dentro” é que não retrata a miséria com compaixão miserabilista. As coisas limitam-se a ser o que são, e por vezes, como nas muitas sequências na discoteca, a miséria é substituída pela euforia de qualquer discoteca
posh em Nova Iorque ou em Londres. É o ponto mais conseguido do filme, o modo como a música e a dança põem em perspectiva a descrição das ruas e do quotidiano de determinado bairro pobre de N’Djamena. Conseguido é também o registo narrativo de Haroun, muito standard, muito “euro-americano” na découpage, no ritmo, na mise-en-scène, até na emulação dos trâmites do “filme de máfia” quando essa passa a ser uma questão. Mas isto, claro, é uma face de dois gumes, que também limita o filme, como se ele fosse pensado para não maçar o gosto formatado das audiências ocidentais, bem longe do lirismo e da especificidade de alguém como Souleymane Cissé, para citar um cineasta da África francófona que até —há muitos anos — chegou ao circuito comercial. Independemente disto, Grigris tem virtudes que cheguem para justificar uma espreitadela: o par protagonista, ele de fácies peculiaríssimo pleno do “carisma dos feios”, ela uma rapariga bonita e escultural; e a sequência final, a mais singular em todo o filme, quando uma porção da África rural e “profunda” entra em confronto com a “modernidade” urbana e mafiosa, numa espécie de encruzilhada que justifica o tom, nada triunfal, em que tudo se conclui. 

The partial view '~/Views/Layouts/Amp2020/ARTIGO_CINEMA.cshtml' was not found. The following locations were searched: ~/Views/Layouts/Amp2020/ARTIGO_CINEMA.cshtml
ARTIGO_CINEMA