Hospital quis obrigar doente a pagar taxas moderadoras com mais de dez anos

Doente diz que Hospital de Leiria se recusou a entregar requisição para exame enquanto não saldasse dívida de 67 euros relativa a 2002, 2008 e 2011. Hospital defende que a prescrição não extingue a dívida e que esta pode ser paga "a prestações".

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Joaquim Dâmaso/Arquivo

Os responsáveis do hospital admitem que as dívidas prescreveram, mas defendem que “o prazo de prescrição não extingue a dívida, que permanece devida”. Sugerem que Ana a pague de forma faseada, "a prestações", como fazem outros utentes.

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Os responsáveis do hospital admitem que as dívidas prescreveram, mas defendem que “o prazo de prescrição não extingue a dívida, que permanece devida”. Sugerem que Ana a pague de forma faseada, "a prestações", como fazem outros utentes.

Isenta de taxas moderadoras desde há três anos, devido a insuficiência económica (é profissional liberal e apenas tem trabalhos esporádicos), Ana insistiu que necessitava de fazer o exame com rapidez, porque tinha uma consulta marcada para o dia 25 deste mês e precisava de levar os resultados da electromiografia. Sem mobilidade na mão direita e a perder a mobilidade na mão esquerda, precisa de fazer este exame aos nervos periféricos, porque sofre de artroses “nos dois punhos”, e tudo indica que terá de ser operada.

A funcionária administrativa repetia, porém, que “ou pagava ou não podia dar a autorização para [fazer] o exame”, conta. Inconformada, pediu para falar com alguém no hospital que encontrasse uma solução. Mandaram-na para o “gabinete do cidadão”, depois encaminharam-na para o “gabinete do utente”, onde foi atendida por uma assistente social que lhe explicou que, apesar de as taxas terem prescrito, “moralmente, devia pagá-las”.  

Ainda falou para a tesouraria e para o conselho de administração, segundo diz. Mas a resposta era sempre a mesma; devia pagar as taxas, se queria receber a requisição para poder fazer o exame. Ana assevera que pediu várias vezes que colocassem tal resposta por escrito, sempre em vão, e que reconheceram que as taxas não podiam ser cobradas, "uma vez que juridicamente era impossível, mas que ou pagava ou não fazia o exame”.

Indignada, a tradutora decidiu escrever para vários grupos parlamentares, para o primeiro-ministro e para o ministro da Saúde, a denunciar a situação. No dia em que o PÚBLICO tentou perceber junto do hospital o que se estava a passar, Ana foi informada de que, afinal, iam entregar-lhe a requisição para o exame.

Segundo a administração do hospital, as taxas moderadoras anteriores a 24 de Janeiro de 2012, data em que Ana passou à situação de isenção, “são devidas por nunca terem sido pagas, muito embora o CHL [Centro Hospitalar de Leiria] tivesse solicitado o pagamento (legal) devido”. “O prazo de prescrição não extingue a dívida, que permanece devida”, alegam os responsáveis da unidade, em resposta escrita, lamentando que Ana  se recuse a pagar, “podendo fazê-lo, como fazem muitos utentes, de forma faseada [prestações]”. Sublinha, mesmo assim, que esta situação "não invalida que a utente realize os exames", e que o problema está desbloqueado, mesmo que ela persista em não pagar a dívida.

“Taxas moderadoras em atraso não são motivo para não prestar cuidados médicos ou não realizar exames, ainda por cima tratando-se de uma pessoa isenta. A actuação do hospital é absolutamente ilegal, para além de desumana”, considera o coordenador do BE, João Semedo, que denunciou publicamente a situação. Este caso, sustenta, "é o resultado da cultura de desrespeito pelas pessoas que o ministro da Saúde anda a semear há três anos no SNS”.

A Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS), para quem o Ministério da Saúde remeteu esclarecimentos, sublinhou ao PÚBLICO que “o prazo de prescrição aplicável à cobrança de taxas moderadoras pelos Serviços e Estabelecimentos integrados no Serviço Nacional de Saúde é de três anos” e que “o regime de cobrança” alterado recentemente “apenas se aplica a taxas moderadores em divida a partir de 1.1.2014”. De qualquer forma, a ACSS garantiu que “o hospital não se pode recusar a emitir requisições”.