O Irão no exílio

Bahman Ghobadi desvia-se da “escola iraniana” e faz o seu filme mais decepcionante.

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Num filme que tem a ver com o desenraizamento — desenraizamento da personagem feminina, mulher do escritor, refugiada em Istambul, desenraizamento dele, que segue para a Turquia depois de libertado do cárcere —, alguma lógica tem o facto de o filme parecer, ele próprio, desenraizado. Esteticamente desenraizado, precisemos, com muito pouca daquela intensidade, nervosa e realista, que é apanágio da “escola iraniana” e que Ghobadi tão bem interpretou em vários dos seus filmes, substituída por uma atmosfera às vezes onírica, frequentemente simbólica (alusões, visuais e sonoras, à escrita de Kamangar) e alegórica (as tartarugas também chovem, é caso para dizer), e um decorativismo fotográfico, cheio de efeitos de gosto e eficácia duvidosos, totalmente nos antípodas daquilo que Ghobadi tem no currículo. Um desvio, portanto, por uma narração mais “indirecta”, mais carregada de segundos sentidos fabricados com uma mão algo pesada, que talvez se explique pelo facto de Ghobadi querer falar, mais do que tudo, das perseguições a artistas e intelectuais no seu país natal, e reforçar a absurda injustiça dessas perseguições, sem transformar A Temporada do Rinoceronte num filme político “em primeiro grau”. Dramaturgicamente, resulta em algo que também é raro no cinema iraniano (por norma um cinema de “acção”, ou de “acções”, até à medula), um primado da psicologia e da introspecção que parece sempre tão pouco convincente quanto mais sublinhado e, digamos, “sobre-cozinhado”. Emergem, claro, as presenças dos actores, o rosto marcado de Vossoughi, a aura sofredora de Bellucci, mas é, por mais simpatia que mereçam a sua mensagem e o seu contexto políticos, o mais decepcionante filme de Ghobadi.

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Num filme que tem a ver com o desenraizamento — desenraizamento da personagem feminina, mulher do escritor, refugiada em Istambul, desenraizamento dele, que segue para a Turquia depois de libertado do cárcere —, alguma lógica tem o facto de o filme parecer, ele próprio, desenraizado. Esteticamente desenraizado, precisemos, com muito pouca daquela intensidade, nervosa e realista, que é apanágio da “escola iraniana” e que Ghobadi tão bem interpretou em vários dos seus filmes, substituída por uma atmosfera às vezes onírica, frequentemente simbólica (alusões, visuais e sonoras, à escrita de Kamangar) e alegórica (as tartarugas também chovem, é caso para dizer), e um decorativismo fotográfico, cheio de efeitos de gosto e eficácia duvidosos, totalmente nos antípodas daquilo que Ghobadi tem no currículo. Um desvio, portanto, por uma narração mais “indirecta”, mais carregada de segundos sentidos fabricados com uma mão algo pesada, que talvez se explique pelo facto de Ghobadi querer falar, mais do que tudo, das perseguições a artistas e intelectuais no seu país natal, e reforçar a absurda injustiça dessas perseguições, sem transformar A Temporada do Rinoceronte num filme político “em primeiro grau”. Dramaturgicamente, resulta em algo que também é raro no cinema iraniano (por norma um cinema de “acção”, ou de “acções”, até à medula), um primado da psicologia e da introspecção que parece sempre tão pouco convincente quanto mais sublinhado e, digamos, “sobre-cozinhado”. Emergem, claro, as presenças dos actores, o rosto marcado de Vossoughi, a aura sofredora de Bellucci, mas é, por mais simpatia que mereçam a sua mensagem e o seu contexto políticos, o mais decepcionante filme de Ghobadi.

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