O Supremo e os carpinteiros religiosos

A queixa de duas empresas abriu uma caixa de pandora impossível de voltar a ser fechada

O caso é complexo e tem mil nuances e, por isso, interessante. Os patrões queixosos são religiosos fervorosos e argumentam que, não tendo nada contra o uso das pílulas, preservativos, diafragmas, esterilização ou outros métodos contraceptivos, têm tudo contra quatro deles e por isso não querem ser obrigados a cobrir todos. O mais provável é que a lei não os afectasse nunca, pois em empresas cujos sites têm mais informação sobre Deus do que sobre peças de madeira, nenhum trabalhador irá por certo usar qualquer destes procedimentos.

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O caso é complexo e tem mil nuances e, por isso, interessante. Os patrões queixosos são religiosos fervorosos e argumentam que, não tendo nada contra o uso das pílulas, preservativos, diafragmas, esterilização ou outros métodos contraceptivos, têm tudo contra quatro deles e por isso não querem ser obrigados a cobrir todos. O mais provável é que a lei não os afectasse nunca, pois em empresas cujos sites têm mais informação sobre Deus do que sobre peças de madeira, nenhum trabalhador irá por certo usar qualquer destes procedimentos.

O moralismo das empresas não era naturalmente tema de deliberação. A favor dos queixosos, o Supremo reconheceu de forma ampla a noção de “personalidade corporativa” das empresas e concluiu que a obrigação imposta pela cobertura de um seguro de saúde global era um “peso substancial” que violava a liberdade religiosa das empresas. O peso é filosófico, mas não só. A multa prevista é de 1,3 milhões de dólares por dia de incumprimento. Contra os carpinteiros, quatro juízes e a Administração Obama apresentam cinco argumentos: a cobertura ampla é vital para a saúde da mulher e da sua liberdade reprodutiva; promove a saúde pública; garante que as mulheres têm igual acesso aos serviços de saúde; deve ser o médico, e não o empregador, a decidir o método adequado a cada mulher; e muitas mulheres não podem pagar o método correcto e, por isso, a lei iria reduzir as gravidezes indesejadas e os abortos na América.

A decisão partiu o Supremo ao meio, cinco a favor, quatro contra. Mas uma coisa é certa. Foi aberta uma caixa de pandora impossível de voltar a ser fechada. O mais provável é que, num país de fanáticos e puritanos, muitas empresas peçam isenção com base no argumento da liberdade religiosa. Mas, para além disso, muitas outras o façam em relação a muitas outras leis. Sonia Sotomayor, uma das juízas derrotadas, disse que a decisão “está destinada a ter efeitos indesejáveis”. É o mínimo que se pode dizer. O caos jurídico é talvez a palavra mais adequada.