Fósseis com 400 mil anos revelam primeira fase da evolução dos neandertais

A análise mais completa de sempre de crânios fósseis encontrados nas últimas décadas numa gruta em Espanha sugere que a morfologia típica dos neandertais evoluiu por etapas.

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Juan Luis Arsuaga, da Universidade Complutense de Madrid, e colegas, analisaram a morfologia de 17 crânios humanos provenientes da gruta de Sima de Los Huesos (Cume dos Ossos), na colina de Atapuerca, no Norte de Espanha. O local, que começou a ser escavado em 1984, contém a maior colecção do mundo de fósseis de humanos primitivos (ou hominíneos) do Pleistoceno Médio. Os crânios foram sendo reconstruídos a partir de inúmeros fragmentos – e sete são apresentados pela primeira vez.

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Juan Luis Arsuaga, da Universidade Complutense de Madrid, e colegas, analisaram a morfologia de 17 crânios humanos provenientes da gruta de Sima de Los Huesos (Cume dos Ossos), na colina de Atapuerca, no Norte de Espanha. O local, que começou a ser escavado em 1984, contém a maior colecção do mundo de fósseis de humanos primitivos (ou hominíneos) do Pleistoceno Médio. Os crânios foram sendo reconstruídos a partir de inúmeros fragmentos – e sete são apresentados pela primeira vez.

O Pleistoceno Médio é o período geológico que se estende entre há 780.000 e 125.000 anos e para o qual os especialistas ainda não chegaram a um consenso no que respeita aos pormenores da evolução humana. No novo estudo, os autores reavaliaram aliás a idade dos fósseis da gruta espanhola graças a uma série de técnicas independentes e confirmam que, de facto, aquele grupo humano viveu há cerca de 430.000 anos, ou seja em pleno “coração” do Pleistoceno Médio.

Antes de mais, um pouco de pré-história humana, resumida num comunicado da AAAS, a associação que edita a Science. Há 400 a 500 mil anos, um grupo de humanos arcaicos terá divergido de outros grupos que viviam em África e no Leste da Ásia, acabando por se instalar na Eurásia. Ali, viria a desenvolver as características que definem os neandertais – tais como a cara mais projectada para a frente, o arco supraciliar proeminente, o grande crânio e por aí fora – que hoje conhecemos bem. Umas centenas de milhares de anos mais tarde, os humanos modernos (nós), que tinham entretanto surgido em África, também se instalaram na Eurásia, conquistando esse território e o resto do mundo enquanto os neandertais definhavam.

Uma das questões que os achados de Sima de los Huesos têm levantado é a de saber a que espécie pertenciam os humanos daquela gruta. Isto porque, em particular, apesar de terem características faciais parecidas com as dos neandertais, o seu crânio era mais pequeno do que o dos neandertais “clássicos”.

Até aqui, pensava-se que os humanos de Sima de los Huesos eram representantes da espécie Homo heidelbergensis, homem primitivo cuja mandíbula fóssil foi descoberta na Alemanha em 1907 e que possuía alguns traços de tipo neandertal ao nível da morfologia facial.

Porém, a história complicou-se quando a análise do antiquíssimo ADN de um fragmento dos fósseis de Sima de los Huesos, em Dezembro passado, surpreendeu todos ao revelar que os homens da gruta espanhola eram geneticamente mais próximos dos denisovanos (uma outra espécie humana primitiva, também hoje extinta e recentemente descoberta na Sibéria) do que dos neandertais.

E agora, com base nos resultados da sua nova análise dos crânios, a equipa de Arsuaga optou simplesmente por não os atribuir a nenhuma espécie em particular, argumentando que a trajectória evolutiva das diversas linhagens humanas – e em especial dos neandertais – foi claramente mais complexa do que se pensava. Os homens da gruta espanhola não são, segundo estes autores, nem “neandertais primitivos”, nem Homo heidelbergensis (uma vez que diferem desta última espécie ao nível dos maxilares).

Os seus resultados levam-nos de facto a “reescrever” a história da evolução dos próprios neandertais. “A natureza do processo evolutivo que deu origem aos neandertais vem sendo debatida há décadas”, diz o co-autor Ignacio Martínez, da Universidad de Alcalá (Espanha), citado no mesmo comunicado. “Uma questão importante nesses debates tem sido a de saber se o ‘processo de neandertalização’ incidiu inicialmente em todas as zonas do crânio ou se, pelo contrário, existiram várias etapas que afectaram diferentes partes do crânio em alturas diferentes.”

Os autores abonam em favor da segunda opção: uma evolução dita em “mosaico”, durante a qual as características de tipo neandertal terão surgido separadamente e em alturas diferentes. E postulam que o processo que desembocou nos neandertais “clássicos” de há 30 mil anos terá começado, como o sugerem os crânios de Sima de los Huesos, pela evolução da face. Só mais tarde é que o crânio dos neandertais – e o cérebro – viriam a aumentar de volume.

“O Pleistoceno Médio foi um longo período de cerca de meio milhão de anos durante o qual a evolução dos hominíneos não consistiu num lento processo de mudança, com apenas um único tipo de hominíneo a evoluir tranquilamente para o neandertal clássico”, diz Arsuaga.

“Pensamos, com base na morfologia, que os elementos do grupo de Sima [de los Huesos] faziam parte da linhagem dos neandertais, embora não fossem necessariamente os antepassados directos dos neandertais clássicos”, acrescenta. “Pertenciam a uma linhagem europeia anterior que inclui os neandertais, mas que é mais primitiva [do que eles].”

Muitas das características de tipo neandertal observadas nos crânios de Sima de los Huesos têm a ver com a mastigação e nomeadamente com o uso intensivo dos dentes da frente. “Os incisivos apresentam um grande desgaste, como se tivessem sido usados como ‘terceira mão’, algo muito típico dos neandertais”, diz Arsuaga.