A urgência de ver mais longe

Um dos vértices desta política chama-se centralismo. O seu pressuposto maior é o de que é possível prever todos os problemas e decretar urbi et orbi a melhor solução. Os seus principais indicadores são a uniformidade, a padronização, a impessoalidade, o formalismo, o culto da hierarquia e a lógica da obediência. Filho do racionalismo iluminista e da desconfiança face à inteligência dos atores periféricos, o centralismo atrofia a liberdade de iniciativa, mina a criatividade, dificulta a justeza das soluções, sendo herdeiro de uma filosofia pessimista quanto às possibilidades da ação humana.

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Um dos vértices desta política chama-se centralismo. O seu pressuposto maior é o de que é possível prever todos os problemas e decretar urbi et orbi a melhor solução. Os seus principais indicadores são a uniformidade, a padronização, a impessoalidade, o formalismo, o culto da hierarquia e a lógica da obediência. Filho do racionalismo iluminista e da desconfiança face à inteligência dos atores periféricos, o centralismo atrofia a liberdade de iniciativa, mina a criatividade, dificulta a justeza das soluções, sendo herdeiro de uma filosofia pessimista quanto às possibilidades da ação humana.

Já Antero de Quental na sua célebre conferência sobre a Causa da Decadência dos Povos Peninsulares incitava de modo veemente: “Oponhamos à monarquia centralizada, uniforme e impotente, a federação republicana de todos os grupos autonómicos, de todas as vontades soberanas, alargando e renovando a vida municipal, dando-lhe um carácter radicalmente democrático, porque só ela é a base e o instrumento natural de todas as reformas práticas, populares, niveladoras”

Precisamos de uma ousada reforma nos modos de conceber e realizar as políticas educativas e formativas. Uma reforma que vá além da retórica. A título de exemplo citemos a Resolução do Conselho de Ministros nº 15/2013 de 19 de março – tem já mais de um ano e nada aconteceu – que afirma solenemente: “Precisamente por assumir a descentralização administrativa como uma prioridade política e como um instrumento de desenvolvimento económico e social dos territórios e das populações, o Governo apresentou à Assembleia da República a Proposta de Lei n.º 104/XII, na qual se diz expressamente que “o Estado concretiza a descentralização administrativa promovendo a transferência progressiva, contínua e sustentada de competências em todos os domínios dos interesses próprios das populações das autarquias locais e das entidades intermunicipais, em especial no âmbito das funções económicas e sociais”. E nesta consequência, esta Resolução decide “1. Criar o Aproximar – Programa de Descentralização de Políticas Públicas. 2. Atribuir a coordenação política do Aproximar – Programa de Descentralização de Políticas Públicas ao Ministro Adjunto e dos Assuntos Parlamentares e a coordenação executiva à Secretária de Estado da Administração Local e Reforma Administrativa.”

Ora este programa, no que à Educação diz respeito, continua refém da mesma lógica de inibição das vontades e potencialidades locais, optando por eleger os contratos de autonomia com as escolas como o instrumento por excelência do reforço do centralismo. A criação de uma direção geral dos estabelecimentos escolares é, a este propósito, paradigmático da lógica de dominação e de controlo sendo os ditos contratos uma mera encenação e uma pura perda de tempo. Deveria haver limites para hipocrisia organizada e para a ação insensata.

Entretanto, fontes próximas do Governo afirmam que o Programa Aproximar não tem condições de concretização no âmbito da Educação porque o CDS não quer promover a descentralização política e administrativa porque tem escassa presença nos municípios e prefere comandar e dominar a partir do centro. A ser verdade, como tudo o indica, é mais uma forma de um pequeno partido parasitar o aparelho do Estado e de aí traficar as influências, para além de revelar uma óbvia debilidade de coordenação política ao nível do poder executivo.

Precisamos de ver mais longe e descentralizar de modo efetivo as atribuições e competências no campo da educação e formação. Precisamos criar os Projetos Educativos Municipais como instrumentos decisivos de regulação da educação a nível local. Precisamos de uma ação concertada e articulada a nível da oferta educativa e formativa local. Precisamos de uma liderança sociocomunitária que integre todos os parceiros que têm um contributo precioso a dar para a revitalização da educação. Precisamos de libertar as escolas de contratos leoninos que são puro engodo. Precisamos de ativar localmente a possibilidade de outra escola e outra administração da educação. Como referia recentemente António Nóvoa, “há mais educação para além da escola. Hoje, precisamos de reforçar os laços entre a escola e a sociedade e assim renovar um compromisso social em torno da educação. É uma mudança decisiva, que exige uma efetiva capacidade de decisão das pessoas, das autarquias e das instituições no interior deste espaço público da educação.”

O Programa Aproximar era uma oportunidade de ouro para ousar esta mudança. Estaremos todos reféns de uma ação política que se alimenta do statu quo?

Director Adjunto da Faculdade de Educação e Psicologia da Universidade Católica Portuguesa, no Porto. O autor escreve segundo o Acordo Ortográfico.