Um olhar pessoal sobre o Brasil

O Brasil mudou? Não: o Brasil está a mudar. Todos os dias.

Na economia, isso é evidente: apesar da desaceleração registada nos últimos anos, da acentuação gradual da componente de serviços e da perda de competitividade, o ritmo de investimento industrial em capacidade instalada no Brasil, nomeadamente em SP, incluindo na geração de empregos, atingiu no ano que findou números apreciáveis. O agro-negócio brasileiro, responsável por uma boa parte do PIB brasileiro graças à revolução tecnológica ali operada que produziu um salto na sua produtividade, passa não apenas por Mato Grosso, mas também pelo rico e crescentemente desenvolvido interior paulista. O Brasil continua a ser interessante para o investidor estrangeiro, mesmo quando este se queixa.

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Na economia, isso é evidente: apesar da desaceleração registada nos últimos anos, da acentuação gradual da componente de serviços e da perda de competitividade, o ritmo de investimento industrial em capacidade instalada no Brasil, nomeadamente em SP, incluindo na geração de empregos, atingiu no ano que findou números apreciáveis. O agro-negócio brasileiro, responsável por uma boa parte do PIB brasileiro graças à revolução tecnológica ali operada que produziu um salto na sua produtividade, passa não apenas por Mato Grosso, mas também pelo rico e crescentemente desenvolvido interior paulista. O Brasil continua a ser interessante para o investidor estrangeiro, mesmo quando este se queixa.

As notas de pessimismo que hoje abundam na imprensa brasileira e internacional sobre o futuro da economia brasileira devem ser encaradas como ângulos de abordagem que nem sempre disfarçam o viés político ou as limitações de uma observação mais remota que, mesmo quando habilitada, se revela imprudente na avaliação de certos indicadores. As duas capas da The Economist que vaticinavam, em momentos diferentes, que o Brasil tinha descolado ou que havia soçobrado são exemplos de conclusões precipitadas por razões diferentes.

Creio que o futuro do Brasil dificilmente poderá ser previsto sem um conhecimento profundo da extensão dos seus estrangulamentos e das suas possibilidades. Essa é a password. As suas inegáveis vulnerabilidades em matéria de educação, saúde, infra-estrutura e competitividade merecem ser situadas num plano de incidência que coloque em paralelo o esforço de superação feito desde a década de 90, quer na sua estabilização financeira e cambial, quer no combate às suas tradicionais assimetrias sociais num país de mais de 190 milhões de pessoas.

O Brasil está ainda a arrumar a casa. Um território vasto onde coexistem diferentes ritmos de crescimento. E as dores de crescimento enquanto potência não devem ser abstraídas de um historial ainda recente de transformações que estão longe de estarem concluídas e que condicionam fortemente qualquer processo de mudança, qualquer que seja o Governo do dia. De resto, a sua crescente classe média é prova tanto de vitalidade económica como dos exigentes desafios que esta transição consigo carrega.

Apesar das queixas que tantas vezes ouvimos sobre a lentidão das mudanças no Brasil ou da sombra que hoje cobre os emergentes, a verdade é que o país continua a ser atraente para os investidores e vai desfilando dados surpreendentes em matéria de empreendedorismo. Os seus recursos naturais e a escala do seu mercado doméstico são factores diferenciadores, mesmo quando se perfilam como dissuasores à abertura da sua economia ao exterior – um dos desafios críticos para o seu futuro.

Mesmo na atribuição por vezes enganadora de uma identidade comum aos BRICS, o Brasil tem especificidades que não devem ser ignoradas. Quando aqui se ouvem vozes autorizadas a lamentar a perda de uma oportunidade histórica, sobretudo entre 2004 e 2011, proporcionada pela crise financeira e pela janela das commodities, essa verdade não prejudica que se olhe para o handicap com que o Brasil partiu para lidar com os desafios de uma economia mundial em processo de viragem. Também o Brasil vive uma mudança profunda nos planos económico e social – e nem sempre estes dois tempos coincidem ou se revelam sincronizados.

Para um país tão absorvido pelo seu próprio mercado e dimensão, a internacionalização das suas empresas e a perda da timidez relativamente ao exterior – também explicáveis historicamente – são factores de transformação lenta a que a globalização e assunção plena da sua estatura de potência obrigará, mas nos seus próprios timings. As grandes reformas na educação – instrumentais antes de qualquer outra – não podem produzir efeitos em menos de uma ou duas gerações.

O Brasil, pelos valores que partilha com o Ocidente, é um parceiro não só possível, mas necessário. Pela sua história, relacionamento cultural, familiar e empresarial, é seguramente um aliado estratégico para Portugal e para os países de língua portuguesa. E o contrário também é verdade. É certo que aqui esse alinhamento está longe de estar consumado, mas os sinais de aproximação entre as sociedades civis, Governos e empresas são encorajadores e projectam uma dinâmica de envolvimento mútuo que fará o seu caminho. Estou, pessoalmente, aliás, muito optimista quanto à densidade das relações entre Portugal e o Brasil, hoje a viver um novo ciclo de relacionamento, sem precedentes, que eleva o seu patamar de conhecimento mútuo e de ambição.

As elevadas expectativas sobre o futuro do Brasil e sobre o ritmo de cumprimento da promessa brasileira acabam por conduzir talvez, por vezes, a desapontamentos. Por isso é preciso conhecê-lo bem. E como sugere a experiência de quem vive neste extraordinário país de acolhimento, mesmo quando não é fácil, tudo é possível. É essa escala de possibilidades que, mais do que qualquer outra coisa, o torna tão atraente e interessante.

O Brasil mudou? Não: o Brasil está a mudar. Todos os dias.

Cônsul-geral de Portugal em São Paulo. As opiniões aqui expressas apenas vinculam o seu autor