Múmia cantora é cabeça de cartaz em exposição do British Museum

Oito múmias da colecção do museu britânico foram submetidas a TAC’s e revelaram segredos inesperados: uma tinha uma ferramenta partida no crânio, outra sofria de abscessos, e a mais recente tatuara na coxa o nome do arcanjo Miguel

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Os resultados desta investigação poderão ser apreciados, a partir do dia 22 de Maio, na exposição Ancient Lives, New Discoveries [Vidas Antigas: Novas Descobertas], que se manterá no museu britânico até final e Novembro, e que promete atrair multidões, tendo em conta o fascínio que as múmias continuam a exercer no imaginário do século XXI (veja-se o sucesso de bilheteira da saga cinematográfica A Múmia).

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Os resultados desta investigação poderão ser apreciados, a partir do dia 22 de Maio, na exposição Ancient Lives, New Discoveries [Vidas Antigas: Novas Descobertas], que se manterá no museu britânico até final e Novembro, e que promete atrair multidões, tendo em conta o fascínio que as múmias continuam a exercer no imaginário do século XXI (veja-se o sucesso de bilheteira da saga cinematográfica A Múmia).

Não surpreende, portanto, que estes corpos conservados por milhares de anos, envoltos em ligaduras e acondicionados em caixas decoradas, sejam há muito uma das principais atracções do British Museum. Neil MacGregor, director do museu, disse à jornalista Jill Lawless, da agência Associated Press (AP), que 6,8 milhões de pessoas visitaram a instituição em 2013, e que “cada uma delas perguntou: ‘Onde é que estão as múmias?’”.

Desde os anos 60 que os raios X são usados para se tentar ver através das das ligaduras das múmias sem as destruir, mas as actuais tecnologias, designadamente as que são usadas na medicina, como a tomografia computadorizada (vulgo TAC), permitem imagens muitíssimo mais precisas. As peças do British Museum foram submetidas a TACs em hospitais de Londres, como quaisquer doentes vivos, ainda que tenha havido o cuidado de se fazer os exames de madrugada, não fosse algum doente cardíaco apanhar com uma múmia pela frente ao virar uma esquina.

Conjugando as novas técnicas de visualização em 3D com programas informáticos de reconstituição de volumes, originalmente concebidos para a indústria automóvel, estas experiências permitiram aos técnicos do British Museum perceber melhor os complexos processos de embalsamento e mumificação, e também apurar, em alguns casos, o que provocou a morte da pessoa em causa.

A colecção de múmias do British Museum conta com mais de uma centena de exemplares, mas para esta investigação e subsequente exposição foram escolhidas apenas oito, oriundas do Egipto e do que hoje é o Sudão, e que cobrem, da mais antiga até à mais recente, um vastíssimo intervalo de tempo, que vai de 3500 a. C., ainda antes de as primeiras dinastias de faraós reinarem no Egipto, até ao início do século VIII da nossa era. E se algumas foram mumificadas de acordo com todas as regras e segredos da arte, com remoção do cérebro através do nariz e ablação dos órgãos internos, outras foram conservadas por métodos bastante mais rudimentares. Variações que também dependiam da fortuna e do estatuto social de cada um.

Os visitantes poderão ver impressões tridimensionais das imagens que as máquinas foram obtendo à medida que penetravam através das caixas, das ligaduras e da própria pele, mostrando o interior dos corpos, mas também a parafernália de amuletos e outros objectos que ornamentam as múmias.

Um embalsamador desastrado

A estrela da exposição é uma mulher mumificada que se chamou Tamut e que viveu em Tebas por volta do ano 900 a.C.. O seu caixão nunca foi aberto, mas as inscrições na tampa dão-nos o seu nome, e adiantam que se trata de uma cantora sagrada, ao serviço do deus Ámon, ou Amun, provavelmente do templo de Karnak, onde este era venerado.

A par das imagens em 3D, os visitantes poderão ver modelos dos vários amuletos deliberadamente colocados em locais simbólicos da sua anatomia, incluindo a figura de uma deusa de asas abertas a rodear a garganta, duas pequenas figuras feitas de cera de abelhas inseridas no interior do seu peito, ou ainda, pousado sobre os pés juntos, um escaravelho alado.

O especialista de antropologia física do British Museum, Daniel Antoine, afirma que foi mesmo possível detectar uma placa aterosclerótica numa artéria mumificada que pode ter sido a causa de um ataque cardíaco ou de um acidente vascular cerebral. Mas que é também um sinal de dieta rica em gorduras, apenas acessível a pessoas com elevado estatuto social.

Calcula-se que Tamut andaria pelos 30 ou 40 anos quando morreu, e as imagens revelam com notável detalhe o seu rosto, emoldurado por cabelo curto, e o seu corpo quase incorrupto.

Embora se saiba hoje bastante sobre as técnicas de mumificação, e fosse já conhecido o processo de extrair o cérebro através do nariz, ignoram-se muitos detalhes, desde logo porque nos chegaram pouquíssimos exemplares das ferramentas utilizadas pelos embalsamadores da antiguidade. Compreende-se, portanto, o entusiasmo dos cientistas com a descoberta de parte de um desses utensílios no interior do crânio de uma das múmias. O desastrado embalsamador deve tê-lo quebrado inadvertidamente, e ali ficou até hoje, junto ao cérebro que já não foi possível extrair, e do qual sobreviveram vestígios.

A múmia onde foi encontrada esta espécie de tubo com uma parte achatada é de um homem que terá morrido por volta de 600 a.C.  e que sofria de vários, e certamente dolorosos, abcessos dentais. É mesmo possível que tenha morrido em consequência dessas infecções.

A mais recente das múmias escolhidas para esta exposição é de uma mulher que terá vivido no Sudão em 700 d.C. e que era muito provavelmente uma cristã, já que se lhe encontrou, na face interior da coxa, uma tatuagem com o nome do arcanjo Miguel.

O director do British Museum está tão entusiasmado com os resultados desta investigação que já anunciou a intenção de submeter às mesmas tecnologias todas as 120 múmias egípcias e sudanesas que o museu conserva. “Venham daqui a cinco anos, e já ouvirão Tamut a cantar”, brincou MacGregor.