Vaginas feitas em laboratório foram implantadas com sucesso em quatro mulheres

Dois estudos publicados na revista The Lancet dão conta de avanços na medicina regenerativa. Pela primeira vez, foi possível gerar tecido vaginal e cartilagem da região lateral do nariz a partir de células dos próprios doentes.

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Existem várias técnicas para tentar restaurar a vagina destas mulheres, mas têm riscos significativos. Agora, foram produzidas vaginas no laboratório, criadas a partir das próprias células de mulheres com esta síndrome, e que foram depois implantadas nas respectivas dadoras. Passados cinco ou mais anos da implantação, as quatro mulheres que participaram na experiência tinham uma vagina normal e estavam satisfeitas com a sua vida sexual.

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Existem várias técnicas para tentar restaurar a vagina destas mulheres, mas têm riscos significativos. Agora, foram produzidas vaginas no laboratório, criadas a partir das próprias células de mulheres com esta síndrome, e que foram depois implantadas nas respectivas dadoras. Passados cinco ou mais anos da implantação, as quatro mulheres que participaram na experiência tinham uma vagina normal e estavam satisfeitas com a sua vida sexual.

Este avanço na área da medicina regenerativa é um dos dois que vêm descritos esta sexta-feira na revista The Lancet. Um segundo artigo relata algo semelhante, mas desta vez em relação à cartilagem do nariz. Aqui, trata-se de duas mulheres e três homens entre os 76 e 88 anos a quem foi preciso retirar parte do tecido nasal devido a um cancro da pele na região da narina. Os autores deste trabalho partiram de células da cartilagem dos próprios doentes para produzir pedacinhos de cartilagem que foram a seguir utilizados na reconstrução do nariz.

Apesar de os resultados revelados nestes dois artigos terem sido obtidos num pequeno número de pessoas, as equipas defendem a necessidade de alargar os ensaios a mais pessoas para, um dia, estas técnicas poderem ser aplicadas de uma forma abrangente.

O número de mulheres com síndrome de Mayer-Rokitansky-Küster-Hauser situa-se entre uma em 1500 e uma em 4000. Um dos problemas causados pela síndrome é a dificuldade de se ter relações sexuais. Se estas mulheres não forem tratadas, as suas vaginas poderão ter poucos centímetros de comprimento e serem demasiado pequenas para a penetração.

Actualmente, o tratamento mais comum passa pela criação cirúrgica de um canal vaginal artificial, com a aplicação de diferentes tecidos biológicos para revestir a parede do canal. No entanto, nesta abordagem, a camada de músculo que existe normalmente no tecido da vagina está ausente, o que leva a um atrofiamento do canal. Cerca de 70% das adolescentes com a síndrome tratadas desta forma acabam por ter complicações de saúde. A nova técnica, levada a cabo por investigadores a trabalhar no México e nos Estados Unidos, resolve essa questão.

“As biópsias ao tecido, as imagens por ressonância magnética e os exames internos mostraram que as vaginas fabricadas são semelhantes ao tecido nativo tanto na forma como na função”, explica Atlántida Raya Rivera, a líder do estudo, que pertence ao Hospital Pediátrico do México Federico Gómez, na Cidade do México.

Entre 2005 e 2008, a equipa retirou células epiteliais e do músculo da parte externa da vagina de quatro adolescentes com 13 a 18 anos. Depois, estas células foram colocadas num tecido biológico sem células que serviu como molde da vagina, com o tamanho e formato adaptado a cada uma das jovens, onde as células cresceram.

A equipa fez uma cirurgia para criar o canal vaginal em cada uma das quatro adolescentes e implantou a vagina construída no laboratório. Ao longo do tempo, o sistema nervoso e os vasos sanguíneos penetraram na nova camada de células, que também cresceu. No fim, o molde tinha sido absorvido pelo corpo e o tecido tinha as três camadas normais da vagina.

Além dos exames histológicos revelarem que as novas vaginas tinham as características de um órgão normal, um inquérito feito às participantes depois de estas já terem iniciado a sua vida sexual mostrou que tinham pouca ou nenhuma dor durante o acto, sentiam desejo, tinham lubrificação vaginal e orgasmos. Segundo os investigadores, o tratamento também poderá vir a ser aplicado a mulheres que tiveram cancro na vagina.

No caso da reconstituição do nariz, a equipa que levou a cabo o estudo, do Hospital Universitário da Basileia, na Suíça, retirou um pedaço da cartilagem do septo nasal de cada um dos cinco doentes, na altura em que foi feita a biópsia para determinar se tinham cancro da pele no nariz.

Destes pedaços de cartilagem, os investigadores retiraram as células humanas que produzem a cartilagem. Depois, colocaram-nas numa membrana de colagénio onde elas se multiplicaram e produziram cartilagem. Os cientistas obtiveram assim pedacinhos de cartilagem com 2,5 por 2,5 centímetros de superfície e com dois milímetros de espessura.

Após a cirurgia para remover os cancros dos cinco pacientes, a equipa colocou os pedacinhos de cartilagem e uma camada de pele (também do próprio doente) refazendo, assim, a narina.

Ao fim de seis meses, o tecido apresentava as características normais de uma narina e um ano após a operação os cinco doentes estavam satisfeitos com o aspecto do seu nariz e respiravam normalmente. “Esta técnica pode ajudar o corpo a aceitar novos tecidos mais facilmente e melhorar a estabilidade e funcionalidade das narinas”, diz Ivan Martin, líder do estudo. Os resultados, refere, “abrem caminho para usar cartilagem construída no laboratório em cirurgias faciais mais desafiantes, tais como a do nariz completo ou a da orelha”.