Tribunal contraria magistrados e liberta homicida 16 anos depois do crime

"Esta decisão pode representar uma viragem jurisprudencial", diz advogado de Charles Ribeiro, que matou um antigo sócio de forma violenta. “Esta decisão pode representar uma viragem jurisprudencial”, diz advogado de Charles Ribeiro. "Esta decisão pode representar uma viragem jurisprudencial”,

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Paulo Ricca/Arquivo

Mas apesar de o Tribunal de Execução de Penas lhe ter rejeitado a liberdade condicional por três vezes, lembrando os contornos hediondos do crime e o alarme social que ele provocou, o Tribunal da Relação do Porto, para onde recorreu, decidiu recentemente conceder-lhe a liberdade condicional, ao fim de 16 anos. Saiu do Estabelecimento Prisional de Bragança há cerca de uma semana e vai emigrar para França.

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Mas apesar de o Tribunal de Execução de Penas lhe ter rejeitado a liberdade condicional por três vezes, lembrando os contornos hediondos do crime e o alarme social que ele provocou, o Tribunal da Relação do Porto, para onde recorreu, decidiu recentemente conceder-lhe a liberdade condicional, ao fim de 16 anos. Saiu do Estabelecimento Prisional de Bragança há cerca de uma semana e vai emigrar para França.

No seu acórdão, os juízes da Relação do Porto destacam que Charles Ribeiro “pretende ir morar para Poitiers, França, onde tem emprego garantido, o que significa que vai ficar muito afastado do local do crime”, o que “evita qualquer sentimento de rejeição que ainda possa existir” na comunidade. O juiz do Tribunal de Execução de Penas do Porto e o Ministério Público tinham outro entendimento. Lembraram os contornos hediondos do crime e incompatibilidade entre a sua libertação e a paz social na localidade. Estavam preocupados com o “alarme social” que poderia resultar da sua libertação, que entendiam ser “incompatível com a defesa e a ordem da paz social”, conforme escreveu o juiz do Tribunal de Execução de Penas no despacho em que recusou a libertação.

O advogado de Charles, Pedro Miguel Carvalho, salientou que "esta decisão pode representar uma viragem jurisprudencial”, uma vez que “põe em causa os argumentos que reiteradamente, nos crimes de homicídio, são utilizados pelo Tribunal de Execução de Penas para não conceder a liberdade condicional - mesmo que os requisitos legais estejam preenchidos, haja manifesta evolução da personalidade do condenado e a libertação seja compatível com a paz social".

O empresário José Dobrões tinha 38 anos e uma vida económica invejável quando conheceu Charles e o escolheu como sócio para iniciar um negócio. O outro havia regressado de França, para onde tinha estado emigrado, com o sonho de montar uma empresa de extracção de inertes. Mas as coisas correram mal e Ribeiro saiu da sociedade pressionado por Dobrões. Regressou a França e foi lá que conheceu um homem que havia de se tornar seu cúmplice, Hélder Justa. Contou-lhe o seu plano de vingança e conseguiu um aliado.

Em Outubro de 1998, entraram em casa do empresário, em Santa Comba de Vilariça, Vila Flor. Espancaram-no, prenderam-no e amordaçaram-no e meteram-lhe um pano na boca, que foram empurrando até que José Dobrões ficou sem ar e sucumbiu. A dupla escondeu o corpo na mala do carro do empresário, que roubaram, levando dinheiro e cartões. Quando se preparavam para fugir para Espanha foram apanhados e condenados por homicídio qualificado, ocultação de cadáver, falsificação de documentos e roubo. Charles acabou por confessar o crime.

“Quando fizemos a sociedade eu disse-lhe, com as lágrimas nos olhos: 'Este projecto é como um filho para mim'. Eu queria que o projecto fosse um sucesso e ele mentiu-me”, contou então ao PÚBLICO. Sublinhou ainda que a morte foi um “acidente”.

“O recluso assume atitude crítica quanto crime praticado” e “evidencia sinais de arrependimento e respeito pelos familiares da vítima”, alega o Tribunal da Relação do Porto na sua recente decisão. Recorda ainda que Charles já beneficiou de várias saídas precárias junto da família em Alfândega da Fé - que fica a 20 quilómetros de Vila Flor, onde ainda vivem familiares da vítima -, que decorreram sem incidentes, apesar de esta “ser uma terra pequena onde todos se conhecem”.

O parecer favorável do conselho técnico, onde se inclui o director da prisão e o chefe dos guardas prisionais, também pesou na decisão de libertação, assim como o facto de Charles Ribeiro, hoje com 44 anos, não ter antecedentes criminais anteriores em Portugal. Em 1998, já havia sido condenado por furto em França.