O tutor digital vai aonde o professor não chega

Um estudo-piloto feito pela Universidade do Minho demonstra que o uso da aplicação hipermédia, construída por especialistas de Matemática e de Psicologia de Educação, pode contribuir para o sucesso escolar.

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A experiência no terreno envolveu 62 docentes e 2862 estudantes do 8.º ano David Clifford

Aquele avatar (que também sabe ser prestável) foi considerado decisivo para os resultados do estudo-piloto realizado pela Universidade do Minho (UM). E isto porque, explica Isabel Garcês, uma docente de Matemática que participou na experiência, “o tutor digital consegue ir aonde o professor não chega: a cada um dos alunos”.

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Aquele avatar (que também sabe ser prestável) foi considerado decisivo para os resultados do estudo-piloto realizado pela Universidade do Minho (UM). E isto porque, explica Isabel Garcês, uma docente de Matemática que participou na experiência, “o tutor digital consegue ir aonde o professor não chega: a cada um dos alunos”.

Uma aplicação hipermédia, explica Ricardo Pinto, professor da UM, alia o multimédia ao hipertexto para, através de links, proporcionar “a mobilidade do utilizador”, que em vez de aceder a uma informação apresentada de forma sequencial e linear tem autonomia para criar um percurso próprio de navegação, consoante os seus objectivos e necessidades. E a questão em que o estudo assentou foi: o uso de aplicações daquele género na sala de aula pode promover o sucesso escolar? “A resposta é ‘sim’”, adianta Ricardo Pinto, que vai apresentar os resultados da investigação na sua tese de doutoramento. 

2862 alunos testados
A experiência no terreno decorreu há cerca de um ano, durou três semanas e envolveu 62 docentes e 120 turmas com um total de 2862 estudantes do 8.º ano. A aplicação testada foi uma das muitas alojadas no sítio da Internet Hypatiamat, um projecto em curso destinado a alunos do 5.º ao 9.º ano e aos respectivos pais e professores.

Na sequência de uma acção de formação para docentes de Matemática sobre o Hypatiamat, foram criados três grupos, cada um composto pelos alunos de 40 turmas. O grupo experimental 1 usou a aplicação Teorema de Pitágoras de forma sistemática, nas aulas e em casa, com o apoio dos respectivos professores; os alunos do grupo experimental 2 apenas foram informados sobre a existência da aplicação e da possibilidade de a ela recorrerem; os estudantes das 40 turmas que formaram o grupo de controlo não tiveram qualquer contacto com a ferramenta.

Ricardo Pinto relata que nos testes anteriores à experiência, os três grupos (cada um com 40 turmas) tinham resultados semelhantes no que respeita ao domínio de conteúdos (entre 45,61% e 45,91%, sendo o mais alto o do grupo de controlo). Mas os testes feitos depois de três semanas de aulas sobre o Teorema de Pitágoras mostraram diferenças entre os três que os investigadores consideraram significativas, do ponto de vista estatístico.

O grupo de controlo obteve a nota média 47,84 % e o dos alunos que usaram a aplicação do Hypatiamat por sua iniciativa a de 51,47%. No grupo de 40 turmas em que a aplicação relativa ao Teorema de Pitágoras foi utilizada sistematicamente para aprender, praticar e consolidar conhecimentos, na escola e em casa, a média foi a mais alta: 62,7%.

Os resultados dos testes às estratégias de auto-regulação da aprendizagem (capacidade para estabelecer objectivos, planear o estudo, testar conhecimentos, colmatar falhas, etc) também foram considerados relevantes. Numa escala de 0 a 5 valores, o grupo de controlo passou de 3,47 para 3,42; o grupo que usou a aplicação de forma esporádica subiu de 3,47 para 3,49; o que a utilizou de forma sistemática saltou de 3,50 para 3,75.

“Um encontro feliz”
Os resultados da investigação — que serão analisados de forma aprofundada na tese de doutoramento de Ricardo Pinto — foram recebidos com entusiasmo nas Universidades do Minho e de Coimbra. “Já sabíamos que era assim, mas a notícia veio reforçar a convicção de que este encontro entre a Tecnologia, a Psicologia, as Ciências da Educação e a Matemática foi muito feliz”, comenta Dina Loff.

Fala do encontro no sentido literal. Dina Loff é uma investigadora, professora universitária, que foi chamada a dar formação a professores do ensino básico e secundário e que “por acaso” se cruzou, nesse papel, com Pedro Rosário. Pedro Rosário estava ligado à formação de docentes porque, para além de vice-presidente da Escola de Psicologia da Universidade do Minho, é especialista em Psicologia da Educação e em auto-regulação da aprendizagem. Foi com ele que, por sua vez, se encontrou na UM Ricardo Pinto, que, depois de 20 anos a dar aulas de Matemática a miúdos do 3.º ciclo, decidiu voltar à universidade para fazer o mestrado em Tecnologias Educativas.

Constituída por outros elementos, a equipa do Hypatiamat caracteriza-se “pela carolice, pelo entusiasmo e pela abertura de espírito”, descreve Dina Loff. Se uns sabem de Matemática, outros são especialistas em didáctica ou em estratégias de auto-regulação. Por isso se concentram, no que respeita a cada conteúdo, em aplicar o que sabem naqueles três domínios, explica Pedro Rosário.

É nesse contexto que aparece o tutor digital. Firme (“Verificar sem aprender não é uma estratégia para quem quer aprender”), mas preocupado (“que dificuldades estás a sentir?”), prestável (“Queres ajuda?”) e generoso (dando pistas, aconselhando revisões, explicitando o enunciado e ajudando a desenhar estratégias). “Faz o que eu não consigo com uma turma de 30 alunos: presta atenção a cada um, individualmente, e ajuda-o a traçar o seu próprio percurso”, afirma Isabel Garcês.

Aulas mais participadas
Com 20 anos de serviço, aquela professora, que participou na experiência, explica que as aulas “são muito mais participadas”. E que os trabalhos de casa não só se tornam mais divertidos para os alunos (nativos digitais, como os classifica Ricardo Pinto) como fornecem informação preciosa aos professores. O sistema oferece-lhes um relatório que permite saber se os alunos fizeram o trabalho de casa, quanto tempo demoraram a fazê-lo, se tentaram saltar para a solução, que estratégias usaram para ultrapassar obstáculos.

Os alunos têm ao seu dispor o “skillómetro”, um instrumento de registo das capacidades e conhecimentos adquiridos que não se limita a apontar os ganhos e a assinalar as falhas, mas sugere caminhos para chegar aos 100%. O controlo sobre a evolução e a necessidade de escolher uma estratégia reforça a capacidade de auto-regulação da aprendizagem, frisa Pedro Rosário.

O objectivo da equipa do Hypatiamat é, agora, cobrir todos os conteúdos do 5.º ao 9.º ano. Pedro Rosário garante que aos professores “que invariavelmente perguntam quando começarão a pagar pelos conteúdos” responderão sempre: “Nunca.”