Magistrados admitem que falta formação a juízes e procuradores para lidar com crimes económicos

“Ainda há um longo caminho a percorrer", diz o presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público.

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Enric Vives-Rubio

“Punir pessoas nesta circunstância é muito difícil, porque tem que se provar a intenção, o dolo, o conhecimento da ilicitude…”, sustenta um reputado penalista, que critica o facto de o Ministério Público optar sempre pelo direito penal em detrimentos de outro tipo de responsabilidades, como a contra-ordenacional. “Há contra-ordenações que permitem cobrar coimas de milhões de euros”, realça o professor universitário.

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“Punir pessoas nesta circunstância é muito difícil, porque tem que se provar a intenção, o dolo, o conhecimento da ilicitude…”, sustenta um reputado penalista, que critica o facto de o Ministério Público optar sempre pelo direito penal em detrimentos de outro tipo de responsabilidades, como a contra-ordenacional. “Há contra-ordenações que permitem cobrar coimas de milhões de euros”, realça o professor universitário.

Rui Cardoso, presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, lamenta a formação insuficiente dos procuradores e dos juízes que investigam e julgam este tipo de crime. “Ainda há um longo caminho a percorrer quer ao nível do Ministério Público quer ao nível dos juízes”, acredita. Por isso, o procurador defende a criação de um tribunal central especializado em julgar os casos de maior complexidade, semelhante ao Tribunal Central de Instrução Criminal, onde está colocado o juiz Carlos Alexandre, mas que só intervém na fase de inquérito e na validação das acusações.

Mouraz Lopes, presidente da Associação Sindical dos Juízes Portugueses e ex-director da unidade nacional da PJ especializada no combate à corrupção, concorda que se deve investir mais na formação de quem investiga e de quem julga estes crimes. E reconhece que quem julga tem que conseguir um equilíbrio difícil de obter: “Tem que ter consciência das especificidades dos crimes económico-financeiros, mas não pode deixar de respeitar princípios basilares do direito penal como a presunção de inocência”.

O magistrado sustenta que os juízes que analisam estes casos devem “levar em consideração as provas indirectas existentes, já que são mais utilizadas neste tipo de crime, porque a prova não pode ser feita de outra forma”. A única alternativa, diz, é usar meios mais intrusivos como as escutas telefónicas ou os agentes infiltrados.

Já o advogado e ex-membro do Conselho Superior de Magistratura, Rui Patrício, que lida diariamente com este tipo de crimes, rejeita as generalizações que considera perigosas. “Não há uma causa para as absolvições, há várias causas. Tudo depende do caso concreto”, sublinha. E acrescenta: “O facto de haver uma acusação e uma absolvição não tem nada de anormal. O Ministério Público acusa com base em indícios e o tribunal julga face às convicções que criou no decurso do julgamento. Estranho seria se todas as acusações resultassem em condenações”.

O advogado considera que seria interessante estudar casos concretos para fazer um balanço dos problemas detectados: “Errado é o legislador ir a correr fazer alterações mal feitas a propósito de casos concretos. Passa-se a vida a retalhar leis, sem se fazer um estudo sério sobre as coisas”.

O professor universitário elogia a estratégia do MP em processos como a Operação Furacão, uma investigação sobre um complexo esquema de fraude fiscal, em que a acusação fez centenas de acordos de suspensão do caso em troca do pagamento dos impostos em dívida acrescidos de uma espécie de multa. “O Ministério Público deve reflectir melhor sobre a estratégia de intervenção em cada caso”, defende.