Genoma de alta resolução dos neandertais permitiu fazer o “catálogo” genético da nossa humanidade

A análise pormenorizada do ADN dos nossos “primos” humanos mais chegados e a sua comparação com o nosso genoma e com os de outras espécies próximas, actuais e extintas, forneceu resultados por vezes surpreendentes.

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Na realidade, trata-se do genoma de uma Neandertal. Esta mulher adulta, que terá vivido há uns 50 mil anos na Sibéria, deixou-nos um osso do quarto ou quinto dedo de um dos seus pés, com 26 milímetros de comprimento, que foi descoberto, em 2010, na gruta Denisova, nos Montes Altai.

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Na realidade, trata-se do genoma de uma Neandertal. Esta mulher adulta, que terá vivido há uns 50 mil anos na Sibéria, deixou-nos um osso do quarto ou quinto dedo de um dos seus pés, com 26 milímetros de comprimento, que foi descoberto, em 2010, na gruta Denisova, nos Montes Altai.

Antes de mais: não confundir este osso do pé com o da ponta de um dedo da mão, encontrado na mesma gruta em 2008, e que permitiu à mesma equipa descobrir uma nova espécie de humanos primitivos – os  denisovanos. Também o ADN desta nova espécie de humanos primitivos já foi, aliás, sequenciado, mostrando que o dono daquele osso viveu ali há uns 30 mil anos (é mais recente). Para além dos neandertais e dos denisovanos, a nossa espécie também habitou essa gruta, embora numa altura diferente.

Voltando aos neandertais: Pääbo e a sua equipa internacional de antropólogos e geneticistas extraíram o ADN da antiquíssima fêmea a partir de uma ínfima quantidade de osso em pó – e conseguiram ler cada “letra” da sequência genética cerca de 50 vezes, o que confere grande fiabilidade aos resultados.

Já agora, uma surpresa acerca da dona do osso: ao analisarem os seus genes, os cientistas repararam que os pais daquela mulher neandertal eram provavelmente meios-irmãos, ou tio e sobrinha, ou tia e sobrinho ou ainda avô e neta ou avó e neto. E não só: a consanguinidade estendia-se também aos seus antepassados recentes.

De facto, análises adicionais realizadas pela equipa sugerem que, na altura, as populações de neandertais (e de denisovanos) já eram extremamente pequenas desde há cerca de 100 mil anos. Isso explicaria, em parte, os níveis de consanguinidade detectados nos neandertais da gruta Denisova.

Seja como for, este inédito resultado faz com que, num comentário que acompanha os resultados, dois especialistas que não pertencem à equipa se perguntem se os neandertais (e os denisovanos) não estariam, já então, em vias de extinção, apesar de não terem por perto nenhuma outra população humana a fazer-lhes concorrência. A ser assim, isso significaria que não foram necessariamente os Homo sapiens (nós) que provocaram a extinção dos neandertais, como alguns peritos têm especulado.

Uma lista de 87 proteínas
A equipa de Pääbo também comparou o novo genoma de neandertal com o genoma de um neandertal do Cáucaso (de resolução inferior), o de um denisovano (já por eles sequenciado, repita-se, a partir da pontinha de um dedo da mão) e os de humanos actuais.

Constataram assim que os nossos “primos” neandertais eram mais próximos dos denisovanos do que de nós. A linhagem comum aos neandertais e aos denisovanos divergiu da nossa há cerca de 400 mil anos, para tornar a bifurcar (agora sim, com os neandertais por um lado e os denisovanos por outro) há 300 mil anos.

Também obtiveram uma série de resultados que confirmam que a história da evolução da nossa espécie é bastante mais imbricada do que se pensava até recentemente.

Por exemplo, a comparação revelou que os denisovanos acasalaram não só com os primeiros humanos modernos que chegaram à Europa e à Ásia, vindos de África, mas também (como já noticiámos) com uma misteriosa espécie de humanos arcaicos, ainda não identificada – e muito mais antiga, pois terá divergido das outras há um milhão de anos.

“O nosso artigo mostra realmente que a história dos humanos modernos e dos hominíneos durante o Pleistoceno Tardio [há 126 mil a 12 mil anos] foi muito complicada”, diz Montgomery Slatkin, co-autor da Universidade da Califórnia (EUA), em comunicado daquela universidade. “Já sabemos que houve muitas misturas entre espécies de humanos diferentes – e poderá ter havido outras que ainda não descobrimos”.

Os cientistas aproveitaram aliás para afinar as estimativas anteriores da percentagem de vestígios genéticos de denisovanos e neandertais hoje presentes no nosso genoma. De um máximo de 4%, a percentagem de ADN de neandertal (que subsiste nas populações humanas não africanas) desceu para 2%, enquanto a percentagem máxima de ADN denisovano (presente em certas populações da Oceânia) ficou reduzido de 6% para apenas 0,2%.

Last but not least, graças ao novo genoma da mulher neandertal da Sibéria, os cientistas puderam agora elaborar o primeiro “catálogo” das alterações na sequência de ADN que distinguem todos os humanos modernos dos neandertais, dos denisovanos e dos grandes símios. E surpreendentemente, essas alterações que, no fundo, caracterizam a nossa "humanidade", incidem sobre apenas… 87 proteínas. Também existem, contudo, diferenças de sequência genética entre nós e as outras espécies em regiões do que não codificam proteínas. São mais frequentes: cerca de 35 mil, das quais umas três mil poderão influir sobre a actividade dos genes (as partes do genoma que codificam proteínas).

“Esta lista das alterações simples na sequência do ADN que distinguem todos os humanos actuais dos nossos parentes extintos mais próximos é comparativamente curta”, diz Pääbo, citado no mesmo comunicado. “É um catálogo das características genéticas que distinguem todos os seres humanos modernos dos outros organismos, vivos ou extintos. Acredito que dentro dela se escondem algumas das coisas que tornaram possível a gigantesca expansão das populações humanas e da cultura e tecnologia humanas nos últimos 100 mil anos.”