A 1ª noite do Mexefest numa palavra: Savages

O rock levantou voo através da energia das inglesas Savages e a celebração fez-se com a eficácia do francês Woodkid, na primeira de duas noites do festival Vodafone Mexefest.

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Não há volta a dar. São especiais. O som é catártico e contundente, mas não é primário. Permitem-se criar atmosferas dissonantes no meio do maior desvario rock.

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Não há volta a dar. São especiais. O som é catártico e contundente, mas não é primário. Permitem-se criar atmosferas dissonantes no meio do maior desvario rock.

E são as quatro imprescindíveis. Completam-se. Baixo e bateria pulsam e ritualizam como é raro ver por aí. A guitarra viaja mas é sempre cortante. E depois existe a vocalista Jehnny Beth: carismática, desafiante e sensual, com uma performance física simples e de resultado estonteante.

E como se não bastasse têm aquilo que falta à maior parte da música actual no momento em que o mundo desaba. Pertinência. Atitude. Vontade de desafio olhos nos olhos. Percebe-se que o seu propósito não é só entreter a malta.

A partir do momento em que ganharam visibilidade, logo surgiram os comentários juvenis de que não passariam de mera réplica do período pós-punk. Bocejo. São nitidamente outra coisa. Sim, expõem influências sem constrangimentos, mas estão noutra dimensão, com uma música rock marcial, que se permite ser impetuosa e de sentido exploratório.

Como era de esperar, no Coliseu, passaram pelas canções do álbum de estreia Silence Yourself, lançado este ano, e terminaram com Don’t let the fuckers get you down, tensão e deflagração enraivecida à beira do apocalipse. Perfeito.

Quem também fala e reflecte a nossa cortante existência, hoje, agora, com grande inquietação, é o angolano Nástio Mosquito, autor daquele que é, a léguas, o álbum de língua portuguesa mais surpreendente do corrente ano. Se Eu Fosse Angolano, obra ao mesmo tempo bonita e agreste.

Não teve vida fácil. Apresentou-se num espaço difícil – O BES Arte & Finança – durante a hora de jantar, fazendo-se acompanhar pelos teclados de João Gomes (Ovelha Negra, Cool Hipnoise). Ou seja, a opção foi descarnar toda a componente rítmica das canções, fazendo submergir a voz e as palavras nas atmosferas desencadeadas pelas teclas.

Dilui-se a riqueza luxuriante das canções, ficou o esqueleto, a voz, as palavras e o dizer, às vezes provocatório, outras encantatório, de Nástio, alguém que claramente tem algo a acrescentar à música na língua portuguesa, pelo seu posicionamento artístico e pela atitude perante a realidade.

As Savages e Nástio Mosquito têm coisas para dizer. E fazem-no com uma intencionalidade artística singular. Outros limitam-se a oferecer espectáculo. O que é lícito. Desde que o façam com eficácia. Foi isso que aconteceu com o francês Woodkid, ou seja Yoann Lemoine, ex-realizador de vídeoclips, naquele que acabou por ser o concerto mais festejado da noite, perante um Coliseu quase repleto.

Com álbum de estreia lançado este ano, depois de uma sucessão de singles de sucesso (Iron, Run boy run ou I love you), acabou por se tornar num fenómeno curioso no último ano e meio. As canções são sempre majestosas, com muita teatralidade e melodrama, ou seja o tipo de empolgamento que cabe em qualquer produção cinematográfica de cariz épico. Como era de esperar, ao vivo, as canções pop ganham retoques ainda mais tribalistas, transportado pelas muitas percussões, e um sentido orquestral majestoso, pela presença da secção de metais.

Quanto a Yoann Lemoine faz pela vida em palco, cantando, dançando e incentivando o público, rodeado pelos músicos e pelas imagens de cariz espectacular atrás de si, ou não viesse ele da cultura visual. Mas pouco tempo depois da surpresa inicial as soluções vão-se repetindo e o misto de frenesim rítmico e de climas orquestrais acaba por banalizar-se.

Mas o público não sentiu da mesma forma, revelando um entusiasmo que parece ter apanhado desprevenido o próprio Woodkid que teria que regressar ao palco para um encore, o que não é muito habitual em festivais do género.

O festival, esse, está consolidado. Nas primeiras edições grande parte do público aglomerava-se a meio da Avenida da Liberdade, por aí estar situado o cinema São Jorge e em frente o teatro Tivoli. Agora é na zona das Portas de Santo Antão, por causa do Coliseu, do adjacente Ateneu Comercial, da Casa do Alentejo, da Sociedade de Geografia e do Palácio da Independência, que a maior parte se fixa.

Ali ao pé situa-se também a estação ferroviária do Rossio, onde actuou JP Simões (em substituição dos John Wizards) e Glasser, ou seja a canadiana Cameron Mesirow, autora de dois bons álbuns de pop difícil de situar, canções construídas a partir de linhas melódicas circulares que parecem simples, mas não o são. São dinamizadas por inúmeros elementos sónicos (electrónicos e acústicos), por percussões e pela sua voz, hipnótica, criando um labirinto de cânticos harmónico.

Ali, naquele espaço, ao ar livre, acompanhada por programações e uma percussionista, ficou deslocada, numa actuação mediana. Música com universo próprio, mas sem ambiente para ser recepcionada da melhor forma.

Até porque a verdade é que num festival que convida à descoberta, onde existem catorze espaços com música, a maior parte concentra-se no que já conhece. Os repetentes Wavves agradeceram. Curioso é o caso do americano John Grant, a quem vimos há dois anos um concerto banal em Sintra, e que sexta-feira encheu o São Jorge. Claro que abrir-se ao desconhecido nem sempre resulta. Por exemplo, no Ateneu Comercial, evoluiu a dupla Bombay Show Pig. A acústica da sala não ajudou, mas o rock primitivo do duo também não levantou voo. Isso aconteceu depois, mas com as Savages.

O festival termina este sábado com os Daughter, Erlend Oye, Legendary Tigerman, Peixe: Avião, Oh Land ou Gisela João.