A adolescência vulgar de Lorde

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Uma adolescente de 16 anos que parece saber o que não quer. Ou foi desenhada a régua e esquadro para não parecer de plástico?

Há uma maneira de tentar valorizar Lorde, a cantora neozelandesa de 16 anos que tomou de assalto as tabelas de vendas, que é compará-la a Miley Cyrus, Kate Perry, Rihanna ou Britney Spears.

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Há uma maneira de tentar valorizar Lorde, a cantora neozelandesa de 16 anos que tomou de assalto as tabelas de vendas, que é compará-la a Miley Cyrus, Kate Perry, Rihanna ou Britney Spears.

Trata-se de contrapô-la às celebridades que, na versão senso comum, serão manufacturadas, cativas de impiedosos gestores de carreira e não terão mais nada para expor senão o seu corpo.

Segundo esta linha argumentativa, Lorde seria uma versão benévola da maliciosa Miley Cyrus. Uma espécie de anjo vingador - até porque o seu singleRoyals está no 1º lugar do top americano há semanas, com Miley Cyrus e Kate Perry atrás - que teria vindo trazer sobriedade ao reino sujo da pop de massas.

Felizmente, a própria parece mais madura do que a maior parte dos que a tentam afirmar dessa forma, recusando paralelos.

Na verdade não é fácil enquadrá-la num arquétipo. Por um lado, escreve letras que a identificam com o mundo juvenil, descrevendo o seu cosmos e dos amigos da mesma idade. Por outro, a forma detalhada como o faz acaba por ser surpreendente.

Existe quem argumente que a sua música é incompreensivelmente soturna, como se a pop tivesse que ser uma festa contínua na sua idade. Ora é precisamente essa capacidade de nos devolver um universo com qualquer coisa de frágil e alegórico, mas de grande pureza expressiva, que acaba por ser também inusitado. Por último, existe a música: batidas electrónicas em câmara lenta, arranjos nada ostensivos, instrumentação reduzida ao essencial.

É mais fácil encontrar pontos de ligação com nomes que começaram nas franjas e foram ganhando progressiva visibilidade: dos The xx a Grimes. Para ela, da geração pós-Internet, não existem algumas daquelas demarcações artificiais - como a divisão entre pop minoritária e de massas - com que ainda tentamos atribuir sentido ao universo da música popular urbana.

Perceber de onde vem talvez ajude a entender o seu posicionamento. Lorde, ou seja Ella Yelich-O"Connor de seu verdadeiro nome, nunca tinha saído da Nova Zelândia até há poucos meses. A sua primeira viagem de avião foi a Nova Iorque, residindo em Davenport, um subúrbio de Auckland, que a própria descreve como sendo uma bolha insular separada de tudo o resto.

Filha de um engenheiro civil e de uma escritora e poetisa - o escritor preferido dela é o americano Raymond Carver - assinou um contrato discográfico com a Universal aos 12 anos, depois de ter sido vista a cantar e a imitar Duffy num concurso de talentos.

Como acontece em muitas situações análogas de descoberta de talentos precoces propuseram-lhe que gravasse um álbum de versões de música soul. Recusou, dizendo que queria ser ela a compor, embora nunca tivesse escrito uma canção na sua vida.

A editora acabou por concordar, embora a chegada do co-compositor e produtor Joel Little se tivesse revelado importante. Foi ele que a ajudou a definir a elaborada teia electrónica que viria a suportar a sua voz. Não tiveram pressa. Foram trabalhando de forma caseira. No último ano os acontecimentos precipitaram-se.

Lana versus Lorde

No ano passado colocou algumas canções na Internet, mas foi quando a cantora Grimes alertou para a sua existência que começou a ser falada na blogoesfera. Em primeiro lugar surgiram as comparações com Lana Del Rey, pelo facto de ambas terem surgido no ambiente da Internet e pela sonoridade - uma pop electrónica sonhadora e algo melancólica. Mas enquanto a atitude e o som de Lana remete para a sumptuosidade, Lorde é sóbria.

O registo vocal também é diferente. Lana é mais afectada e dengosa. Lorde tem um registo baixo e intrigante, expondo involuntariamente nas suas letras a discrepância entre o estilo de vida sofisticado das celebridades aduladas por muitos públicos juvenis e a realidade suburbana da sua vida. Ou seja, algumas letras são sobre consciência de classe e malefícios consumistas.

Ao vivo Lana revela-se muitas vezes nervosa. Diz quem já a viu, que Lorde é a tranquilidade e a confiança em pessoa. Pelo menos aparenta ser. E tal como em disco, em palco é despojada, acompanhada apenas por bateria, teclas e programações.

No final de 2012 surgiu um EP de cinco temas com o single Royal. Durante quatro meses manteve-se no topo das tabelas de vendas na Nova Zelândia. Tornou-se conhecida no seu país, mas nada que a fizesse mudar de vida. Continuou a estudar na escola pública e a sair com os amigos. À revista americana Interview disse que na Nova Zelândia ninguém a importuna porque "não existe cultura de celebridades" e descreveu-se como uma adolescente vulgar.

"No passado era mais estranha", afirmou, como se já tivesse uma idade bem mais avançada, "passava o tempo nos museus ou a ver filmes de David Lynch e a ler livros. Gostava de sair com pessoas mais velhas. Nessa altura cantar era apenas um passatempo."

Revelação de 2013

Poder-se-ia imaginar que o lado mais harmónico das canções foi exigência sua. Mas foi ao contrário. A vertente mais inteligível, diz ela, veio do lado do produtor Joel Little. "Às vezes, escutávamos uma coisa qualquer e ele dizia: "isto parece um disco de Prince" e eu ficava a olhar para ele, porque nunca tinha ouvido Prince na minha vida", comentava ao Los Angeles Times há duas semanas, quando lhe pediram para discorrer sobre as suas influências.

Não espanta que Prince não estivesse entre as suas referências. Ao que parece a folk ou o rock, personificada pelos Fleetwood Mac, Cat Stevens ou Neil Young, era aquilo que ouvia com insistência ao lado dos pais. Nos últimos tempos foi descobrindo electrónicas, hip-hop e R&B. Diz que não se revê no imaginário da maior parte das canções, mas nomes como o dos canadianos Drake, The Weeknd e Grimes passaram a estar no núcleo dos seus favoritos.

Como qualquer adolescente da sua idade, do que ela também não prescinde é das redes sociais. No Twitter reagiu efusivamente quando chegou a número um do top de vendas americano com o single Royals, destronando Miley Cyrus. Os admiradores desta é que não gostaram do feito, mas as duas acalmaram os ânimos, declarando publicamente que gostavam da música uma da outra.

Outros desabafos foram menos pacíficos. De Taylor Swift disse que era "demasiado perfeita". De Justin Bieber disse que mostrava aos jovens uma falsa realidade do que era a vida de alguém da sua vida. De Selena Gomez disse que as letras das suas canções não dignificavam o papel da mulher. E recentemente recusou colaborar com o produtor com que toda a gente quer trabalhar (David Guetta) e também não quis ir em digressão com Kate Perry.

Parece saber o que não quer. Embora também exista quem proclame que terá sido desenhada a régua e esquadro para não parecer uma cantora superficial. Ou seja, nessa visão, terá sido concebida para não parecer um ídolo de plástico, servindo de contraste na conjuntura actual. Não parece que seja assim. Mas seja lá o que for, para já é uma das revelações do corrente ano.

As suas canções são lúcidas, com qualquer coisa de acessibilidade pop, sem rejeitarem o balanço hip-hop e motivos rítmicos dançantes. Não precisa de se afirmar como anti-estrela ou antítese de alguém. Por enquanto, em estado de graça, basta-lhe ser ela.