E ficámos ali a ouvir Amália pela noite fora

Depoimento do realizador Bruno de Almeida, enteado de Rui Valentim de Carvalho.

Devo-lhe antes de tudo a paixão por Amália. Quando eu era miúdo e ia com ele aos estúdios não ligava nenhuma à Amália.

Nessa altura gostava era dos Clash. Depois, no final dos anos 70, tornei-me músico e ouvia principalmente jazz. O Tim insistia em que ouvisse Amália e, muitas vezes, depois do jantar, onde invariavelmente se discutiam “assuntos Amália”, as tournées, as edições dos novos discos, a constante procura de poetas e de reportório, o sucesso internacional, lá saia o disco Com que voz e o Tim calmamente sentava-me e fazia-me ouvir cada nota, com o volume sempre muito alto como ele gostava, ás vezes dizia "não percebes que isto é a perfeição?". Confesso, que não percebia, ou pelo menos com a profundidade a que ele se referia. Na verdade, só percebi a grandeza de Amália, e o que era o fado, muito mais tarde. E aconteceu em 1990, com o Tim em Nova Iorque. Amália ia cantar no Town Hall parte da longa tournée de celebração dos 50 anos de carreira. O Tim não perdia uma actuação. Decidimos então filmar o concerto. Depois logo se veria o que saia dali. Montámos a produção com uma rapidez fulminante, eu a contratar operadores de câmara e ele a correr por Nova Iorque à procura dos melhores sistemas áudio e lá estávamos nós em frente ao palco prontos para filmar. Amália estava lindíssima e muito bem disposta.

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Devo-lhe antes de tudo a paixão por Amália. Quando eu era miúdo e ia com ele aos estúdios não ligava nenhuma à Amália.

Nessa altura gostava era dos Clash. Depois, no final dos anos 70, tornei-me músico e ouvia principalmente jazz. O Tim insistia em que ouvisse Amália e, muitas vezes, depois do jantar, onde invariavelmente se discutiam “assuntos Amália”, as tournées, as edições dos novos discos, a constante procura de poetas e de reportório, o sucesso internacional, lá saia o disco Com que voz e o Tim calmamente sentava-me e fazia-me ouvir cada nota, com o volume sempre muito alto como ele gostava, ás vezes dizia "não percebes que isto é a perfeição?". Confesso, que não percebia, ou pelo menos com a profundidade a que ele se referia. Na verdade, só percebi a grandeza de Amália, e o que era o fado, muito mais tarde. E aconteceu em 1990, com o Tim em Nova Iorque. Amália ia cantar no Town Hall parte da longa tournée de celebração dos 50 anos de carreira. O Tim não perdia uma actuação. Decidimos então filmar o concerto. Depois logo se veria o que saia dali. Montámos a produção com uma rapidez fulminante, eu a contratar operadores de câmara e ele a correr por Nova Iorque à procura dos melhores sistemas áudio e lá estávamos nós em frente ao palco prontos para filmar. Amália estava lindíssima e muito bem disposta.

Quando começou o segundo fado, confesso, fiquei arrasado – tudo começou a fazer sentido. A partir desse momento tornei-me um apaixonado por Amália, com quem tive sorte de ter uma bela amizade, graças ao Tim.

Essa filmagem faria com que eu me tornasse cineasta. Depois fiz os documentários sobre ela. Foi a partir desta relação-paixão por Amália, que o Tim me ensinou a “ouvir” e a perceber a qualidade na música, na vida e na amizade. A recordação mais forte que tenho dele é do dia em que Amália faleceu, quando depois do velório, já em casa, ficámos serenamente a olhar para a televisão que tinha decidido passar a minha série documental sobre ela nessa mesma noite. Com lágrimas nos olhos, o Tim olhou para mim e disse “gosto de ti”. Eu virei-me para ele e disse “eu também gosto de ti”. E ficámos ali a ouvir Amália pela noite fora.

Bruno de Almeida

11 de Novembro 2013