É simples

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Shawn Peters

A aparente leveza desta abordagem condenará, muito provavelmente, a voz de Porter a surgir sem convite nos jantares de muita gente, sempre que a música for escolhida enquanto adorno (não muito diferente da toalha de mesa) e ficar remetida a uma estratégica função de preencher silêncios. Assim: agradável, sem arestas, inofensiva e bem colocada. Nada de mais errado.

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A aparente leveza desta abordagem condenará, muito provavelmente, a voz de Porter a surgir sem convite nos jantares de muita gente, sempre que a música for escolhida enquanto adorno (não muito diferente da toalha de mesa) e ficar remetida a uma estratégica função de preencher silêncios. Assim: agradável, sem arestas, inofensiva e bem colocada. Nada de mais errado.

Tudo é elegância em Gregory Porter. Até mesmo quando uma balada o coloca no mais periclitante dos muros, a sobriedade do seu registo resgata-o para a sala de estar de Elvis Costello e não de Diana Krall (por muito que, acidentalmente, possa ser a mesma). Porter é um cantor de jazz com um expressivo e confortante rasto de soul e gospel, mas também capaz de liderar com pulso temas de aprumado fundo hard bop, assim como deixar a sua interpretação tomar conta de todo o espaço, deixando apenas um cantinho disponível para um piano que providencie uma cama mínima para um corpo vocal desmesurado. E nem por isso se estampa, mesmo cantando quase exclusivamente originais no seu primeiro álbum para a Blue Note.

Esqueçam, por isso, o infortúnio de tempos recentes em que o jazz vocal masculino tem sido quase um exclusivo de registos demasiado maquilhados (como o de Jamie Cullum), facilmente deslumbrados com as piruetas próprias de uma geração habituada ao espalhafato dos concursos de talentos televisivos. Com Gregory Porter, o canto é feito de espessura e temperança, e desfralda um classicismo que casa não apenas com o de Costello mas também, frequentemente, com o de Tom Waits dos tempos de Small Change.

E essa capacidade milimétrica, pouco observável, de fazer simples sem soar a falta de coragem ou triste subserviência histórica. Um primor de disco.