Os homens que queriam ser amados

Parece que sim, agora é mesmo desta que Steven Soderbergh deixa de filmar longas-metragens. Por Detrás do Candelabro é o seu “adeus” à forma, desiludido com uma Hollywood que já não está interessada em correr riscos e o “forçou” a ir fazer o filme ao canal de cabo HBO - uma inversão particularmente saborosa quando se sabe que, há uns anos atrás, um filme como este seria impensável no pequeno écrã. “Como este”, porque é a história, verdadeira mas ficcionada, do romance entre Liberace e um dos vários “protegidos” (ler “namorados”) que o entertainer americano teve ao longo da sua vida.

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Parece que sim, agora é mesmo desta que Steven Soderbergh deixa de filmar longas-metragens. Por Detrás do Candelabro é o seu “adeus” à forma, desiludido com uma Hollywood que já não está interessada em correr riscos e o “forçou” a ir fazer o filme ao canal de cabo HBO - uma inversão particularmente saborosa quando se sabe que, há uns anos atrás, um filme como este seria impensável no pequeno écrã. “Como este”, porque é a história, verdadeira mas ficcionada, do romance entre Liberace e um dos vários “protegidos” (ler “namorados”) que o entertainer americano teve ao longo da sua vida.


Sinal dos tempos - O Segredo de Brokeback Mountain foi o que foi há oito anos, mas um filme baseado em factos verídicos tem que ir à televisão para ser feito.Por Detrás do Candelabro, no entanto, não tem nada de telefilme (e tem até mais cinema lá dentro do que a maioria dos filmes agora em exibição...). E, mais do que um filme gay, é um filme adulto que aborda um dos temas recorrentes na obra recente de Soderbergh: o papel do amor e do sexo como moedas de troca na sociedade moderna. Depois de Confissões de uma Namorada de Serviço, Magic Mike e Efeitos Secundários, Por Detrás do Candelabro pega no tema para desenhar Scott Thorson, oriundo de um lar desfeito, como “menino na mão das bruxas”, inocente triturado pela máquina e pelo poder de Liberace - mas que também olha para o pianista como vítima tanto quanto torcionário, predador que procura realmente alguém para amar mas que não consegue nunca deixar de encenar a sua vida como um espectáculo (no que faz a ponte com a separação público/privado, sexo/amor, patente nos filmes citados). O encontro de Liberace com um Scott que apenas queria ser amado por quem era e se vê sugado pelo glamour possessivo do entertainer resulta numa espécie de negociação que Soderbergh encena de modo desapaixonadamente funcional, como um entomologista observa friamente dois seres que preferem acreditar nas ilusões que construíram para si próprios. É a velha relação do “pigmalião”, do mentor e do aluno, transferida para uma área mais esquiva e equívoca, com uma paleta de cores quentes e queimadas da Califórnia dos anos 1970; ou como aqueles biopics sensacionalistas dessa época sobre os escândalos privados das figuras públicas, embora invertendo o modelo tradicional para sugerir que já não há nada de sórdido nesta história triste de gente que só queria ser amada.

O realizador filma o mercantilismo dos afectos com um espantoso Michael Douglas a encarnar Liberace como uma espécie de Gordon Gekko gay, predador charmoso mas impiedoso, e Matt Damon a interpretar Scott como um inocente apanhado numa engrenagem que o ultrapassa mas da qual não tem problemas em se aproveitar. Mesmo que Por Detrás do Candelabro não seja um grande Soderbergh - a tal frieza distanciada que já maculava Contágio não ajuda - há que dizer que a sua inteligência vai fazer falta no grande écrã.