Passos Coelho, incêndios e banalidades

Se as generalidades que o primeiro-ministro proferiu na Serra do Caramulo tiveram alguma consequência, foi a de desviar parte da atenção dos bombeiros.

Este género de visitas segue um modelo invariável. As autoridades locais recebem uma autoridade supostamente superior, trocam-se cumprimentos cerimoniais, mostram-se instalações e procedimentos, produzem-se comentários de circunstância e, no final, o visitante entrega-se aos jornalistas, para as ansiadas, não se sabe bem por quê, declarações finais.

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

Este género de visitas segue um modelo invariável. As autoridades locais recebem uma autoridade supostamente superior, trocam-se cumprimentos cerimoniais, mostram-se instalações e procedimentos, produzem-se comentários de circunstância e, no final, o visitante entrega-se aos jornalistas, para as ansiadas, não se sabe bem por quê, declarações finais.

Passos Coelho obedeceu ao roteiro mínimo que se esperava, enaltecendo o trabalho dos bombeiros e lamentando as mortes ocorridas este ano. No mais, embrulhou-se em generalidades sobre os fogos, com o nefasto mérito de apontar para a árvore e subestimar a floresta.

Falou, por exemplo, dos ventos “adversos” para explicar a ferocidade das chamas e lembrou o problema dos incendiários. Ambas as referências têm um significado irrisório. O vento é uma variável meteorológica incontrolável, perante a qual tudo o que temos a fazer é estarmos preparados. E os incendiários não são senão uma entre muitas origens possíveis das chamas, e muito menos é a sua atitude o que determina a dimensão dos fogos.

Sobre o que realmente importa – a gestão florestal –, Passos Coelho produziu uma declaração antológica, que merece citação integral: “Em tudo o mais julgo que haverá um tempo próprio para se fazer outro tipo de avaliações, que têm a ver com a situação estrutural, com a prevenção estrutural que é preciso agora garantir. Mas este não é o momento para falar disso, como é evidente”.

Uma análise sumária destas admiráveis palavras não deixa ninguém descansado. O que será o “tudo o mais” que o primeiro-ministro parece conhecer mas julga que não é o “tempo próprio” de avaliar? E afinal é “agora” que se vai tratar da “prevenção estrutural”, depois de na última década ter ardido uma área equivalente a metade das florestas do país?

Mais inquietante é a particularidade de Passos Coelho considerar “evidente” que não seja “o momento” para falar do que permanece mal. Se no auge dos incêndios, com dezenas de milhares de hectares ardidos, cinco bombeiros mortos e as equipas de combate no limite, se ainda assim não é o momento de falar do assunto, então qual será?

Nitidamente, se para alguém a conjuntura não é apropriada para olhar para os males da floresta é para o próprio primeiro-ministro, que possivelmente não terá nada para dizer, nem para apresentar.

Passos Coelho teria feito mais pela floresta se, ao invés de visitas protocolares, tivesse telefonado semanalmente a quem de direito, desde o fim da época de fogos do ano passado, a perguntar: “Então, como estamos? A floresta está limpa? Há gente para vigiar as matas? As zonas de intervenção florestal estão a funcionar? O cadastro rural está pronto? As queimadas estão controladas? Os bombeiros estão bem preparados?”

Mas não. O que importa é aparecer no momento quente a dizer meia dúzia de banalidades, sabendo de antemão que serão ecoadas por nós, jornalistas – um sintoma do nosso interesse crescente por aquilo que se diz ou não se diz, em detrimento daquilo que se faz ou não se faz.

Eu bem sei que se Passos Coelho não fosse aos fogos haveria uma grande comoção nacional por esta gravíssima lacuna. Mas se as generalidades que proferiu tiveram alguma consequência, foi a de desviar parte da atenção dos bombeiros. Mais valia ter ficado em São Bento.