Contar de emigração

Convirá separar as águas quanto ao filme do luso-francês Ruben Alves sobre os desaguisados de uma família de emigrantes portugueses, dividida entre tomar posse de uma herança surpresa e ficar no cantinho que criaram para si em Paris. Separar as águas, aqui, quer dizer separar o filme em si, enquanto objecto cinematográfico, do olhar que ele propõe sobre a comunidade emigrante. Enquanto filme, A Gaiola Dourada é obra escorreita, limpinha, certinha, funcional e anónima, estruturada como uma clássica comédia de enganos de boulevard (portuguesa ou francesa, é à escolha). É, ainda assim, francamente mais conseguido e mais certeiro do que a quase totalidade do cinema dito “comercial” que se tenta fazer por terras lusas - nem é difícil, basta apenas ejectar aquela convicção falaciosa que o que “as pessoas” querem é ver televisão ampliada no grande écrã, ter uma história para contar e personagens com pés e cabeça em vez de arquétipos preguiçosos saídos de linha de montagem, e saber articular o que se está a fazer.

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Convirá separar as águas quanto ao filme do luso-francês Ruben Alves sobre os desaguisados de uma família de emigrantes portugueses, dividida entre tomar posse de uma herança surpresa e ficar no cantinho que criaram para si em Paris. Separar as águas, aqui, quer dizer separar o filme em si, enquanto objecto cinematográfico, do olhar que ele propõe sobre a comunidade emigrante. Enquanto filme, A Gaiola Dourada é obra escorreita, limpinha, certinha, funcional e anónima, estruturada como uma clássica comédia de enganos de boulevard (portuguesa ou francesa, é à escolha). É, ainda assim, francamente mais conseguido e mais certeiro do que a quase totalidade do cinema dito “comercial” que se tenta fazer por terras lusas - nem é difícil, basta apenas ejectar aquela convicção falaciosa que o que “as pessoas” querem é ver televisão ampliada no grande écrã, ter uma história para contar e personagens com pés e cabeça em vez de arquétipos preguiçosos saídos de linha de montagem, e saber articular o que se está a fazer.


O maior interesse do filme vem, contudo, do olhar para a comunidade emigrante, criado a partir de dentro por quem o conhece, e o mérito de Ruben Alves é o de saber partir dos lugares-comuns caricaturais (as porteiras, o faz-tudo, o fado, o bacalhau) e integrar inteligentemente as complexidades subterrâneas da condição emigrante na imagem estereotipada do português em França. Sobretudo, é refrescante ver como o realizador e co-argumentista sugere que é a própria comunidade a reforçar esse estereótipo (mesmo que de modo quase inconsciente), e que o lugar-comum não funciona apenas de França para Portugal e é uma rua com dois sentidos (a esse respeito, o “jantar de compadres” na casa da porteira é exemplar). O que daqui sai é uma comédia amável e divertida, com um elenco de primeira água onde seria injusto não destacar a presença despassarada de Chantal Lauby, que “rouba” quase todas as cenas onde entra.