Deportação de família de dissidente abre nova crise no Governo italiano

Vice de Letta e delfim de Berlusconi enfrenta moção de desconfiança. Vários senadores do PD querem votar com a oposição.

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Berlusconi escolheu Alfano como sucessor Alberto Pizzoli/AFP

Há inquéritos internos a decorrer e pormenores mal explicados, mas é certo que na madrugada de 29 de Maio dezenas de polícias de elite entraram numa casa dos arredores de Roma com intenção de deter Mukhtar Abliazov. O seu país, o Cazaquistão, acusa-o de fraude e pede a sua extradição. Sem encontrarem Mukhtar, os agentes levaram a sua mulher, Alma Shalabaieva, e a filha de ambos, Alua, de seis anos, que dois dias depois foram postas num avião privado e enviadas para o Cazaquistão.

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Há inquéritos internos a decorrer e pormenores mal explicados, mas é certo que na madrugada de 29 de Maio dezenas de polícias de elite entraram numa casa dos arredores de Roma com intenção de deter Mukhtar Abliazov. O seu país, o Cazaquistão, acusa-o de fraude e pede a sua extradição. Sem encontrarem Mukhtar, os agentes levaram a sua mulher, Alma Shalabaieva, e a filha de ambos, Alua, de seis anos, que dois dias depois foram postas num avião privado e enviadas para o Cazaquistão.

A deportação foi justificada com o alegado passaporte falso com que Alma teria entrado em Itália — as autoridades italianas já reconheceram que Alma e a filha tinham documentos válidos e a ordem de expulsão foi revogada, a 12 de Junho. Teoricamente, as duas podem regressar a Itália. Na prática, estão em prisão domiciliária no seu país. Cinco dias antes do recuo italiano, a 7 de Junho, Alma foi acusada de falsificar documentos de identificação.

Polícias e políticos
Os responsáveis da polícia, que estão a ser ouvidos no Parlamento, dizem que nunca souberam que Mukhtar é um crítico do Presidente Nursultan Nazarbaiev — banqueiro e antigo ministro, fundou em 2001 o movimento Escolha Democrática do Cazaquistão; um ano depois foi condenado por abuso de poder e desvio de dinheiros públicos, acusações que a Amnistia Internacional diz serem politicamente motivadas. Em 2003, foi libertado na condição de renunciar a fazer política e acabaria por deixar o país em 2009.

De acordo com a imprensa italiana, o processo de deportação só aconteceu em dois dias — e sem ser dada a Alma a possibilidade de recorrer ou de pedir asilo — por causa das pressões de diplomatas cazaques. Os dois ministérios responsáveis (para além do Interior, Negócios Estrangeiros) garantem que a decisão foi tomada apenas por responsáveis da polícia, o que obviamente não podia ter acontecido. O problema, dizem, é que tudo se passou entre a morte do anterior chefe da polícia italiana e a nomeação do actual, Alessandro Pansa, a 31 de Maio, dia da expulsão de Alma e de Alua.

Alfano não é só ministro do Interior, é vice-primeiro-ministro e o principal responsável do PdL no Governo de coligação. É também delfim de Silvio Berlusconi e a imprensa italiana tem recordado as boas relações do líder da direita com o Presidente Nazarbaiev, assim como os interesses da multinacional italiana ENI no Cazaquistão (detém 16,8% de um gigantesco campo petrolífero). Um jornal da Sardenha, o Unione Sarda, escreveu que Nazarbaiev e Berlusconi se encontraram entretanto, durante umas férias do cazaque na Sardenha, o que Berlusconi desmente.

Para já, Letta defende o ministro. “O não envolvimento de Alfano ficou muito claro no testemunho de Pansa”, disse esta quarta-feira o primeiro-ministro, de visita a Londres. Entretanto, em Roma, o que se debatia já não era o depoimento de Pansa no Parlamento mas as declarações de Giuseppe Procaccini, que até terça-feira era chefe de gabinete de Alfano.

Um dia depois de se ter demitido, Procaccini disse que informou o ministro de um encontro que teve com o embaixador cazaque para discutir o caso. E foi por causa dessas declarações que o Movimento 5 Estrelas e o SEL (Esquerda, Ecologia e Liberdade), de Nichi Vendola, decidiram apresentar a moção de desconfiança que o Senado vai votar na sexta-feira.

As ambições de Renzi
Treze senadores do Partido Democrático (PD) divulgaram um comunicado onde consideram que “a posição de Alfano é objectivamente indefensável”. Tal como o SEL e o 5 Estrelas, pedem a demissão do ministro e apelam aos restantes eleitos do PD para votarem ao lado da oposição.

A maioria destes senadores são apoiantes de Matteo Renzi, o presidente da Câmara de Florença que saiu derrotado das últimas primárias para a liderança do PD e continua a ambicionar liderar o centro-esquerda. É por causa disso que Berlusconi acusa Renzi de estar a explorar o caso para provocar a queda do Governo e eleições antecipadas.

Mas os apoiantes de Renzi já não estão sozinhos. “A reconstrução do incidente feita pelo vice-primeiro-ministro no Parlamento é insuficiente”, defende o deputado do PD Gianni Cuperlo, próximo do ex-chefe de Governo Massimo D’Alema. “Penso que seria um acto de grande sensibilidade institucional e de grande responsabilidade se o ministro entregasse o destino do seu mandato nas mãos do presidente do Conselho”.

“Se Alfano sair, o Governo cai em dez minutos”, garante Giancarlo Galan, deputado do PdL. Para Berlusconi, é óbvio que “Alfano não tem culpa nenhuma”. “Não se toca nele nem no Governo.”