Morreu Storm Thorgerson, o Pink Floyd que não era músico

O criador das capas de Dark Side of the Moon e Wish You Were Here morreu ontem aos 69 anos

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“Foi uma energia constante na minha vida, tanto no trabalho como em privado, um ombro onde chorar e um grande amigo”, escreveu o guitarrista David Gilmour em comunicado. “A arte gráfica que criou para os Pink Floyd desde 1968 até ao presente foi uma componente inseparável do nosso trabalho.” Não é a emoção do momento a falar por Gilmour. Storm Thorgerson, um dos fundadores da Hipgnosis, o colectivo de arte gráfica que co-fundou com Aubrey Powell em 1967, tornou-se praticamente um espelho das ambições conceptuais do rock progressivo dos anos 1970 e uma marca autoral reconhecida bem para além do género. Foi porém com os Pink Floyd que o trabalho de Storm Thorgerson, nascido em Potters Bar, no Norte de Londres, a 28 de Fevereiro de 1944, brilhou mais intensamente. Algo que, conhecendo os seus métodos, se explica facilmente. Disse o seguinte à Rolling Stone, em 2011: “Não tenho muito a dizer sobre a música. Gosto dela, e absorvo-a. [...] O meu trabalho é reinterpretá-la.”

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“Foi uma energia constante na minha vida, tanto no trabalho como em privado, um ombro onde chorar e um grande amigo”, escreveu o guitarrista David Gilmour em comunicado. “A arte gráfica que criou para os Pink Floyd desde 1968 até ao presente foi uma componente inseparável do nosso trabalho.” Não é a emoção do momento a falar por Gilmour. Storm Thorgerson, um dos fundadores da Hipgnosis, o colectivo de arte gráfica que co-fundou com Aubrey Powell em 1967, tornou-se praticamente um espelho das ambições conceptuais do rock progressivo dos anos 1970 e uma marca autoral reconhecida bem para além do género. Foi porém com os Pink Floyd que o trabalho de Storm Thorgerson, nascido em Potters Bar, no Norte de Londres, a 28 de Fevereiro de 1944, brilhou mais intensamente. Algo que, conhecendo os seus métodos, se explica facilmente. Disse o seguinte à Rolling Stone, em 2011: “Não tenho muito a dizer sobre a música. Gosto dela, e absorvo-a. [...] O meu trabalho é reinterpretá-la.”

Como escrevemos acima, Thorgerson, que ao longo de 40 anos desenhou capas para Led Zeppelin, Black Sabbath, 10CC, Peter Gabriel ou Muse, ouvia e lia as letras com atenção e falava demoradamente com os músicos sobre as suas ideias, de forma a definir claramente a sua interpretação gráfica da música. E Thorgerson compreendia intimamente os Pink Floyd. Foi colega de escola de Syd Barrett e Roger Waters em Cambridge e manteve desde a adolescência uma forte amizade com David Gilmour.

Estudante de Inglês e Filosofia, foi atraído pelo cinema, o seu primeiro grande interesse, antes de se concentrar nas artes gráficas. Já estudante na Royal College of Art, em Londres, fundou a Hipgnosis, que teve como primeiro grande trabalho a capa de Saucerful of Secrets, o segundo álbum dos Pink Floyd. Indefinida entre a viagem cósmica e um bucolismo expressionista, a capa representava na perfeição a estética e o imaginário da era psicadélica e tornou a Hipgnosis e, por arrasto, Storm Thorgerson, muito procurada pelo meio musical.

Apontando como influências maiores Man Ray, Magritte, Kandinsky ou Ansel Adams, ou seja, fotógrafos de vanguarda e das grandes paisagens, pintores surrealistas e expressionistas, Thorgerson gostava de explorar “a ambiguidade e a contradição”, de ser “perturbador de uma forma gentil”. “Uso elementos reais de forma irreal”, cita o obituário do Guardian. Curiosamente, a sua capa mais célebre, o prisma de Dark Side of the Moon, é a mais simples e a mais distante daquela ideia. Nasceu, segundo Thorgerson, de uma provocação de Richard Wright. Este ter-lhe-á dito, recordou à Rolling Stone: “Vamos não usar uma das tuas fotos? Já utilizámos fotos antes. E que tal uma mudança? Uma ideia gráfica porreira – qualquer coisa vistosa, graciosa, elegante.”

Inspirado em parte pelos jogos de luz nos concertos dos Pink Floyd, nasceu a mais icónica capa da banda. “É uma boa ideia, mas simples. A luz refractada através de um prisma, como num arco-íris, é um acontecimento comum na natureza. Gostava de reclamar [a autoria da ideia], mas infelizmente não é minha”, afirmou à BBC em 2009.

Para além do trabalho com os Pink Floyd, criou para os Led Zeppelin a famosa capa de Houses of the Holy, a das crianças nuas numa paisagem surreal, alienígena, e deu a Peter Gabriel o retrato liquefeito que surge no terceiro álbum a solo do ex-Genesis. A partir da década de 1980, assinou também vídeos musicais para nomes como os Pink Floyd (obviamente), Yes, Rainbow ou Robert Plant. Mais recentemente, foi o autor de capas para álbuns dos Muse ou Mars Volta. Terá assinado mais de 300 ao longo da carreira.

No comunicado emitido por David Gilmour, o guitarrista recorda as tardes da adolescência passadas nas margens do rio em Cambridge, com Thorgerson “explodindo em ideias e entusiasmo”. Homem fiel aos seus métodos tradicionais – “prefiro o computador na minha cabeça ao na minha secretária”, cita-o o Guardian – não se intimidava com a escala da sua ambição. Para Animals, o álbum de 1977 dos Pink Floyd, fotografou um porco insuflável flutuando sobre uma central eléctrica – o porco gigante soltou-se e foi uma ameaça para os aviões que chegavam e partiam de Heathrow. Dez anos depois, para Momentary Lapse of Reason reuniu várias centenas de camas numa praia, um trabalho que considerou mais tarde uma verdadeira “loucura” – a equipa que acompanhou todos os percalços da empreitada concordaria certamente.

Foi aquela vontade de não se conter perante o que a música suscitava, perante as soluções que a imaginação encontrava que o tornou um nome emblemático da música da década de 1970. Ainda que não fosse músico.