As histórias falsas de Boston: Martin não abraçou o pai antes de morrer

Redes sociais amplificaram invenções associadas ao atentado de Boston. De um romântico noivado impedido pelas explosões à comovente morte de uma menina que nunca participou na maratona.

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O recurso massivo aos telemóveis após as explosões congestionou as telecomunicações na zona Dominick Reuter/Reuters

As histórias, as fotografias e as campanhas de solidariedade falsas não se fizeram esperar e, em poucas horas, entraram sem dificuldade na torrente de informação que se espalhou pela Internet. A estas juntaram-se inúmeras teorias conspirativas, muitas das quais denunciando um “ataque de bandeira falsa”, isto é, um ataque promovido pelas autoridades norte-americanas a ser usado como móbil para uma acção de guerra no estrangeiro.

Uma das mais comoventes histórias contadas nos últimos dias foi a de Martin Richard, de oito anos, que morreu na primeira explosão. Sendo verdadeira – e trágica –, a história foi primeiro narrada pelos media norte-americanos com algumas nuances ficcionais que bem serviriam ao cinema. Ao contrário desses relatos iniciais, Martin não morreu depois de ter ido abraçar o pai à meta da maratona. O pai, William Richard, era um espectador, tal como a mãe e a irmã, que ficaram gravemente feridas. À menina, de seis anos, foi-lhe amputada uma perna.

Apesar de os órgãos de informação terem reposto a verdade na tarde de ontem, terça-feira, é difícil que a correcção tenha o mesmo impacto das primeiras notícias, que davam o pai de Martin como um dos corredores da maratona e adiciovam aos factos o derradeiro abraço entre os dois. O PÚBLICO, citando a imprensa internacional, também errou – corrige agora a história.

Mentiras ditas muitas vezes…
Mais difícil é emendar informação de origem desconhecida, partilhada por dezenas ou centenas de milhares de pessoas nas redes socias, cuja correcção não é responsabilidade de ninguém em particular. A CNN enumera cinco destas patranhas que se tornaram virais graças aos internautas de todo o mundo que, comovidos ou cheios de boa vontade, as propagaram.

A primeira tem por base uma fotografia verdadeira. Uma imagem captada por John Tlumacki, fotojornalista do Boston Globe, que mostra um homem debruçado sobre uma mulher. “Obviamente, ela estava ferida com muita gravidade, e ele estava só a tentar confortá-la. Estava a sussurrar-lhe ao ouvido”, recordou mais tarde o próprio Tlumacki. “Acho que foi a imagem mais comovente”, disse. E tornou-se viral. Curiosamente, a história com que chegou às redes sociais adiantava mais do que o fotógrafo: “O homem de camisola vermelha planeava pedir a sua namorada em casamento assim que cortasse a meta da Maratona de Boston, mas ela faleceu”. Era mentira.

A agência que distribuiu a fotografia de Tlumacki, a Getty Images, forneceu uma versão mais comedida da história do casal. A legenda mencionava apenas um homem a confortar uma mulher, que se encontrava ferida no chão. Sem namoros, sem noivados, sem meta, sem corrida.

No segundo caso, é a própria fotografia que é falsa. Ou melhor: não foi tirada em Boston, mas em Great Falls, Virgínia. É uma fotografia de uma menina de oito anos, que, segundo a mensagem que lhe estava acoplada, teria participado na maratona de Boston em memória das vítimas de Sandy Hook e que teria também morrido nas explosões. Dois pormenores denunciavam, desde logo, a invenção: primeiro, a maratona de Boston não aceita participantes tão novos; segundo, a menina envergava uma dorsal da Joe Cassella 5K, uma corrida de solidariedade para com as famílias de crianças doentes na região de Washington. Foi a Fundação Joe Cassella que denunciou, no Facebook, a utilização “fraudulenta” da foto.

Solidariedade foi, de resto, o que levou pelo menos 50 mil utilizadores do Twitter a replicar uma mensagem que afirmava que, por cada retweet, a organização da maratona de Boston iria doar um dólar às vítimas dos ataques. O tweet foi feito através da conta @_BostonMarathon, que acabou por ser desmascarada e encerrada pelos responsáveis daquela rede de microblogging. Outra conta suspensa foi a que dava pelo nome de @Hope4Boston, que além da fotografia da menina de Great Falls também disseminou uma fotografia falsa de Martin Richard.

Este foi o terceiro caso na lista da CNN, que fica completa com as teorias conspirativas que pululam pela Internet e com a alegada decisão das autoridades locais de desligar as redes de telemóveis, para prevenir a detonação de um suposto terceiro engenho explosivo. As empresas norte-americanas de telecomunicações desmentiram esta informação, dizendo que o que provocou o congestionamento das ligações foi a utilização massiva dos serviços.

Coincidência “bizarra” no Family Guy
Um dos casos que pode entrar na gaveta da conspiração é o que está a ser promovido por Paul Joseph Watson, no site Infowars.com, a propósito do que diz ser uma “bizarra” coincidência num episódio da série de animação Family Guy. Nesse episódio, intitulado Turban Cowboys (cowboys de turbante) e emitido nos EUA a 17 de Março, a personagem principal, Peter Griffin, faz parte de um plano terrorista para destruir uma ponte em solo norte-americano, segundo a AFP. Numas das cenas, Peter detona duas bombas através do telemóvel. Noutra cena do mesmo episódio, Peter aparece como vencedor da maratona de Boston, cruzando a meta de carro, passando por cima de corredores, sangue e membros já separados do corpo.

O que Paul Joseph Watson fez foi juntar essas duas cenas do mesmo episódio e publicar o vídeo editado no YouTube. Seth MacFarlane, criador da série, reagiu no Twitter, dizendo que se trata de uma manipulação “repugnante”. O YouTube retirou entretanto o vídeo do ar, o que Watson apoda de “censura”. Reconhecendo que as duas cenas não são uma sequência, o editor do Infowars.com disponibilizou um novo vídeo no YouTube, de novo com as duas cenas de Family Guy, mas desta vez com uma explicação do que pensa a propósito e com um desafio aos responsáveis da rede de partilha de vídeos.

A Fox, que produz e emite a série, já retirou o episódio dos seus arquivos online, assim como do Hulu. A Fox justifica a decisão com a prática corrente entre as cadeias de televisão norte-americanas, que restringem o acesso a histórias de ficção que conflituem com a realidade em circunstâncias trágicas como as de Boston.

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As histórias, as fotografias e as campanhas de solidariedade falsas não se fizeram esperar e, em poucas horas, entraram sem dificuldade na torrente de informação que se espalhou pela Internet. A estas juntaram-se inúmeras teorias conspirativas, muitas das quais denunciando um “ataque de bandeira falsa”, isto é, um ataque promovido pelas autoridades norte-americanas a ser usado como móbil para uma acção de guerra no estrangeiro.

Uma das mais comoventes histórias contadas nos últimos dias foi a de Martin Richard, de oito anos, que morreu na primeira explosão. Sendo verdadeira – e trágica –, a história foi primeiro narrada pelos media norte-americanos com algumas nuances ficcionais que bem serviriam ao cinema. Ao contrário desses relatos iniciais, Martin não morreu depois de ter ido abraçar o pai à meta da maratona. O pai, William Richard, era um espectador, tal como a mãe e a irmã, que ficaram gravemente feridas. À menina, de seis anos, foi-lhe amputada uma perna.

Apesar de os órgãos de informação terem reposto a verdade na tarde de ontem, terça-feira, é difícil que a correcção tenha o mesmo impacto das primeiras notícias, que davam o pai de Martin como um dos corredores da maratona e adiciovam aos factos o derradeiro abraço entre os dois. O PÚBLICO, citando a imprensa internacional, também errou – corrige agora a história.

Mentiras ditas muitas vezes…
Mais difícil é emendar informação de origem desconhecida, partilhada por dezenas ou centenas de milhares de pessoas nas redes socias, cuja correcção não é responsabilidade de ninguém em particular. A CNN enumera cinco destas patranhas que se tornaram virais graças aos internautas de todo o mundo que, comovidos ou cheios de boa vontade, as propagaram.

A primeira tem por base uma fotografia verdadeira. Uma imagem captada por John Tlumacki, fotojornalista do Boston Globe, que mostra um homem debruçado sobre uma mulher. “Obviamente, ela estava ferida com muita gravidade, e ele estava só a tentar confortá-la. Estava a sussurrar-lhe ao ouvido”, recordou mais tarde o próprio Tlumacki. “Acho que foi a imagem mais comovente”, disse. E tornou-se viral. Curiosamente, a história com que chegou às redes sociais adiantava mais do que o fotógrafo: “O homem de camisola vermelha planeava pedir a sua namorada em casamento assim que cortasse a meta da Maratona de Boston, mas ela faleceu”. Era mentira.

A agência que distribuiu a fotografia de Tlumacki, a Getty Images, forneceu uma versão mais comedida da história do casal. A legenda mencionava apenas um homem a confortar uma mulher, que se encontrava ferida no chão. Sem namoros, sem noivados, sem meta, sem corrida.

No segundo caso, é a própria fotografia que é falsa. Ou melhor: não foi tirada em Boston, mas em Great Falls, Virgínia. É uma fotografia de uma menina de oito anos, que, segundo a mensagem que lhe estava acoplada, teria participado na maratona de Boston em memória das vítimas de Sandy Hook e que teria também morrido nas explosões. Dois pormenores denunciavam, desde logo, a invenção: primeiro, a maratona de Boston não aceita participantes tão novos; segundo, a menina envergava uma dorsal da Joe Cassella 5K, uma corrida de solidariedade para com as famílias de crianças doentes na região de Washington. Foi a Fundação Joe Cassella que denunciou, no Facebook, a utilização “fraudulenta” da foto.

Solidariedade foi, de resto, o que levou pelo menos 50 mil utilizadores do Twitter a replicar uma mensagem que afirmava que, por cada retweet, a organização da maratona de Boston iria doar um dólar às vítimas dos ataques. O tweet foi feito através da conta @_BostonMarathon, que acabou por ser desmascarada e encerrada pelos responsáveis daquela rede de microblogging. Outra conta suspensa foi a que dava pelo nome de @Hope4Boston, que além da fotografia da menina de Great Falls também disseminou uma fotografia falsa de Martin Richard.

Este foi o terceiro caso na lista da CNN, que fica completa com as teorias conspirativas que pululam pela Internet e com a alegada decisão das autoridades locais de desligar as redes de telemóveis, para prevenir a detonação de um suposto terceiro engenho explosivo. As empresas norte-americanas de telecomunicações desmentiram esta informação, dizendo que o que provocou o congestionamento das ligações foi a utilização massiva dos serviços.

Coincidência “bizarra” no Family Guy
Um dos casos que pode entrar na gaveta da conspiração é o que está a ser promovido por Paul Joseph Watson, no site Infowars.com, a propósito do que diz ser uma “bizarra” coincidência num episódio da série de animação Family Guy. Nesse episódio, intitulado Turban Cowboys (cowboys de turbante) e emitido nos EUA a 17 de Março, a personagem principal, Peter Griffin, faz parte de um plano terrorista para destruir uma ponte em solo norte-americano, segundo a AFP. Numas das cenas, Peter detona duas bombas através do telemóvel. Noutra cena do mesmo episódio, Peter aparece como vencedor da maratona de Boston, cruzando a meta de carro, passando por cima de corredores, sangue e membros já separados do corpo.

O que Paul Joseph Watson fez foi juntar essas duas cenas do mesmo episódio e publicar o vídeo editado no YouTube. Seth MacFarlane, criador da série, reagiu no Twitter, dizendo que se trata de uma manipulação “repugnante”. O YouTube retirou entretanto o vídeo do ar, o que Watson apoda de “censura”. Reconhecendo que as duas cenas não são uma sequência, o editor do Infowars.com disponibilizou um novo vídeo no YouTube, de novo com as duas cenas de Family Guy, mas desta vez com uma explicação do que pensa a propósito e com um desafio aos responsáveis da rede de partilha de vídeos.

A Fox, que produz e emite a série, já retirou o episódio dos seus arquivos online, assim como do Hulu. A Fox justifica a decisão com a prática corrente entre as cadeias de televisão norte-americanas, que restringem o acesso a histórias de ficção que conflituem com a realidade em circunstâncias trágicas como as de Boston.