Jornal italiano associa renúncia do Papa a relatório sobre lobby gay no Vaticano

La Repubblica diz que Bento XVI tomou decisão depois de receber um relatório com referências à exposição da Igreja à chantagem e extorsão por práticas homossexuais.

Foto
Bento XVI com o ex-mordomo (lugar da frente) Alessandro Bianchi/Reuters

A documentação, que o Papa terá recebido a 17 de Dezembro, foi produzida na sequência de uma investigação lançada pelo próprio Bento XVI na sequência do escândalo “Vatileaks”, que culminou com a detenção e acusação do mordomo do Papa, Paolo Gabriele, posteriormente condenado pelo roubo de documentos confidenciais.

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

A documentação, que o Papa terá recebido a 17 de Dezembro, foi produzida na sequência de uma investigação lançada pelo próprio Bento XVI na sequência do escândalo “Vatileaks”, que culminou com a detenção e acusação do mordomo do Papa, Paolo Gabriele, posteriormente condenado pelo roubo de documentos confidenciais.

“Foi nesse dia, com esse relatório na sua secretária, que Bento XVI tomou a decisão que já ponderava há tanto tempo”, garante o diário italiano La Repubblica, que avançou com a notícia.

A resposta do Vaticano aos factos relatados pelo jornal italiano (e depois amplificados pela imprensa mundial) foi ambígua. “Nem a comissão de cardeais nem eu próprio faremos qualquer comentário para confirmar ou desmentir o que foi escrito sobre esta matéria. Cada qual assumirá as suas responsabilidades. Não faremos mais nenhuma declaração sobre este assunto”, reagiu o porta-voz do Vaticano, Federico Lombardi.

Lombardi referia-se a Julian Herranz, Josef Tomko e Salvatore De Giorgi, os três cardeais responsáveis pelo relatório – mais de 300 páginas divididas por dois volumes – e que terão constatado que “vários lobbies dentro da Santa Sé consistentemente violaram os sexto e sétimo mandamentos da lei da Deus”, que condenam o adultério e o roubo, respectivamente. A doutrina interpreta ainda o sexto mandamento como uma interdição das práticas homossexuais.

Sem citar directamente as passagens do relatório, o mesmo diário italiano diz que os autores concluíram que os pecados dos prelados expuseram a Igreja Católica à chantagem e à extorsão.

Aparentemente, os membros do lobby gay mantinham encontros ilícitos em vários pontos de Roma, nomeadamente uma sauna num bairro dos subúrbios e uma villa privada dos arredores, bem como um salão de beleza e um edifício que funcionou como residência universitária no centro da cidade. Os envolvidos teriam sido depois sujeitos a ameaças e chantagem.

Não é a primeira vez que são denunciados casos de homossexualidade ou pedofilia na hierarquia do Vaticano. Em 2007, a Cúria suspendeu um dos dirigentes, que foi filmado com menores numa operação encoberta da televisão italiana. Em 2010, Angelo Balducci, conselheiro da Congregação para a Evangelização dos Povos, foi detido no âmbito de uma investigação de corrupção que expôs uma rede de prostituição masculina. Balducci foi apanhado em escutas telefónicas a organizar encontros com coristas e seminaristas.

O relatório entregue ao Papa em Dezembro supostamente também expõe lutas de poder, intriga e corrupção entre diferentes facções internas, mas também grupos externos ao Vaticano: segundo o La Repubblica, há referências de impropriam influentiam, ou influência nefasta, de lobbies “de natureza mundana” que condicionam a acção da Igreja. Alegações de corrupção na atribuição de contratos e lavagem de dinheiro no banco do Vaticano já tinham sido levadas ao Papa, como provaram as cartas privadas que foram roubadas pelo seu ex-mordomo e divulgadas no “Vatileaks”.

O facto de Bento XVI se ter referido vagamente às “divisões” na Igreja durante o discurso de Quarta-feira de Cinzas, foi apresentado como prova de que teria sido este relatório a precipitar a decisão de renúncia do Papa. “Penso particularmente nos pecados contra a unidade da Igreja, nas divisões no corpo da Igreja”, disse.

Mas, como escreveu o conhecido analista do Vaticano, Ignazio Ingrao, na revista Panorama, “a parte do relatório que mais chocou o Papa foi aquela que revelou a existência de uma rede de alianças e actos de chantagem de natureza homossexual em várias áreas da Cúria”.