Lisboa aperta o cerco às esplanadas "feias e caóticas"

Os comerciantes da Baixa que cumprem as novas regras temem não sobreviver ao Inverno. Mas a autarquia já só pensa no Verão: até lá, quer alargar as normas a outras zonas da cidade e apertar a fiscalização.

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As orientações municipais sobre as esplanadas estão em vigor desde Abril, depois de largos meses de discussão, com a oposição a acusar o executivo de “actuação excessiva”. A câmara exige a uniformização do mobiliário, da cor das toalhas e dos guarda-sóis, a ausência de publicidade e a utilização modesta de tapa-ventos, cujo modelo é definido nos gabinetes municipais. Tudo tem de estar conforme as normas até Abril de 2013.

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As orientações municipais sobre as esplanadas estão em vigor desde Abril, depois de largos meses de discussão, com a oposição a acusar o executivo de “actuação excessiva”. A câmara exige a uniformização do mobiliário, da cor das toalhas e dos guarda-sóis, a ausência de publicidade e a utilização modesta de tapa-ventos, cujo modelo é definido nos gabinetes municipais. Tudo tem de estar conforme as normas até Abril de 2013.

“Acredito que vamos ter esplanadas topo de gama na Primavera”, afirma Sá Fernandes. Para isso, o vereador quer “começar numa ponta da cidade e acabar na outra”. Depois da Baixa e das novas esplanadas do Terreiro do Paço, a câmara vai alargar as normas às esplanadas de outras zonas turísticas: Rua das Portas de Santo Antão (entre o Rossio e os Restauradores), e avenidas da Liberdade, Guerra Junqueiro (perto da Alameda), Conde de Valbom e Duque de Ávila (na zona de S. Sebastião).

Os proprietários de estabelecimentos da Baixa que já cumprem as normas municipais, porém, estão agora entre a espada e a parede: conseguirão sobreviver ao Inverno sem as tendas de plástico que protegiam os clientes da chuva e do vento, agora proibidas?

Quebra no negócio
Foi na Rua Augusta, que atravessa a Baixa Pombalina e por onde passam diariamente milhares de turistas, que a autarquia quis dar início à revolução criando uma espécie de zona-piloto. O caos de outros tempos deu lugar a uma rua de cara lavada: esplanadas ordenadas, com mobiliário uniforme e sem referências publicitárias, cada esplanada com toalhas de cor única, guarda-sóis de vinil ou lona em branco-cru, sem fios espalhados pelo chão ou pendurados.

Nas extremidades de cada esplanada há tapa-ventos transparentes de 1,4 metros. “No Inverno não servem para nada”, reclama o sócio-gerente de um dos restaurantes, lembrando que a rua é ventosa. O frio, o vento e a chuva passam bem pelo espaço entre os tapa-ventos e os guarda-sóis, antes fechado com tendas de plástico. “Os nossos turistas gostam de ficar nas esplanadas, vamos ter uma quebra grande no negócio e poderemos ter que dispensar pessoal”, antevê aquele comerciante.

“No Inverno andamos com a corda na garganta e neste ano, com o aumento do IVA, ainda vai ser pior”, afirma o proprietário de outro estabelecimento, que pediu anonimato, à semelhança dos outros que falaram ao PÚBLICO.

Os comerciantes querem instalar tapa-ventos também nas laterais das esplanadas. “O consumidor que está disposto a pagar mais para se sentar numa esplanada exige conforto”, reforça o presidente da Associação de Dinamização da Baixa Pombalina, Manuel Lopes. Mas a câmara não cede. “O vento não vem dos lados”, argumenta o vereador do Espaço Público.

O próprio Plano de Salvaguarda da Baixa Pombalina proíbe a instalação de esplanadas fechadas. “Se fechar, deixa de ser uma esplanada”, sustenta Sá Fernandes, reforçando que os tapa-ventos vão continuar como estão, apenas nos topos.

Poucos clientes em noite fria
O PÚBLICO foi à Rua Augusta numa noite fresca de Outono. A julgar pela amostra, poderão confirmar-se os receios dos proprietários. São pouco mais de duas dezenas os clientes sentados nas esplanadas, com mais de três centenas de lugares - mesmo assim, são mais do que no interior dos restaurantes.

Os resistentes encostam-se o mais que podem aos aquecedores a gás colocados entre as mesas. Foi o que fizeram Pierre Gamache e Monique Duhaime, um casal de turistas do Canadá, de férias em Lisboa. Sentados de costas para o aquecedor enquanto esperam pelo jantar, queixam-se mesmo assim do frio. Porém, quando lhes dizemos que antes a esplanada era tapada com uma tenda de plástico transparente torcem o nariz. “Está melhor assim”, diz Pierre. No Canadá, as esplanadas estão fechadas aos clientes de Maio a Setembro, só abrem ao almoço em dias de sol. “Estamos habituados a isso”, afirma Monique.

O casal não gosta de esplanadas tapadas mas defende mais liberdade para os proprietários. “Deviam poder ser originais, ter toldos de cores diferentes, ter esplanadas coloridas para se distinguirem”, sustenta Pierre, lamentando que tudo pareça demasiado igual. “Até os menus são parecidos”, nota.

Se a imagem conta para uns, para outros nem tanto. Quando perguntámos a Stephan Messner o que pensa sobre as esplanadas da cidade, este turista alemão é peremptório: “Têm publicidade a mais”. Mas a seguir contrapõe: “Há problemas piores. Por que é que há tantas pessoas a vender droga nas ruas da Baixa, por exemplo?”

Stephan quase não precisa do mapa que traz na mão para se orientar na cidade. Já viveu em Lisboa, agora voltou com a namorada Christiane e ambos regressam a casa encantados com a capital portuguesa. Lamentam, porém, que tenham sido abordados tantas vezes por vendedores de droga mesmo nas “barbas” dos agentes da PSP.

Sá Fernandes esclarece: “O que esses indivíduos vendem não é droga, é louro prensado, que parece haxixe.” Segundo o vereador, estão em curso “vários processos de contra-ordenação” por venda ilegal na via pública, mas a fiscalização está a cargo da PSP, logo, fora da esfera municipal.

A segurança dos clientes é uma dor de cabeça também para os donos dos restaurantes com esplanadas. “Os carteiristas andam por aí em grupo e a polícia parece que só vem quando eles não estão”, diz um dos comerciantes que falou ao PÚBLICO. O lamento é partilhado por todos.

O problema agravou-se com a proibição das tendas de plástico, garantem. Para minimizar o risco, os proprietários dos estabelecimentos da Rua Augusta contrataram dois agentes da PSP, a quem pagam do seu bolso, para patrulharem a rua das 20h à 1h. “Sai-nos caro mas compensa, pela tranquilidade dos clientes”, afirma um deles.

Fiscalização, precisa-se
Se na Rua Augusta as normas estão a ser cumpridas, o mesmo não se pode dizer da Rua dos Correeiros, paralela à primeira, onde se amontoam esplanadas desordenadas quase porta sim, porta-sim. Este é mesmo o “ponto negro” da zona, admite o presidente da Junta de Freguesia de São Nicolau, António Manuel, que se queixa da falta de fiscalização.

O cenário é caótico. Chapéus-de-sol de várias cores com publicidade a marcas de bebidas misturam-se com os toldos sujos dos restaurantes. Há placards que anunciam as ementas afixados nos tapumes de uma obra de construção civil, ou equilibrados sobre uma cadeira de sala, estrategicamente colocada no meio da rua. O mobiliário das mesas não coincide com o das cadeiras. Para quem ali anda a pé, sobra pouco mais do que um metro de caminho livre.

“Tenho recebido muitas queixas. Algumas esplanadas não cumprem as normas e os donos abusam sobretudo a partir das 18h30, quando há menos fiscalização”, afirma António Manuel. “Os proprietários põem mais cadeiras do que está definido na licença e impedem a passagem de carros de bombeiros ou ambulâncias, em caso de emergência”, diz o autarca. “Algumas esplanadas até tapam a entrada dos prédios."

As queixas seguem para a Câmara de Lisboa mas de pouco têm servido. O vereador Sá Fernandes reconhece os problemas na Rua dos Correeiros e promete que a fiscalização, a cargo da Polícia Municipal, vai ser apertada. “Quando passam os fiscais, os proprietários retiram as coisas. Estamos a tentar montar equipas transversais que possam actuar diariamente”, afirma o autarca.

Uma questão de mentalidades
É do “oportunismo descarado” dos proprietários dos restaurantes que se queixa Fernando Jorge, arquitecto e membro do Fórum Cidadania Lx, um movimento cívico que tem protestado contra a manutenção de “esplanadas provincianas, feias e caóticas” na cidade. Fernando Jorge critica a falta de fiscalização, mas admite que as multas não servem de nada se não se mudarem mentalidades. Falta aos proprietários “brio” e “consciência” sobre o que é uma esplanada de qualidade, defende.

“Poucas serão as cidades europeias que têm um clima tão amigo das esplanadas como Lisboa”, nota o arquitecto. Além disso, foi na capital que surgiu a famosa cadeira “Gonçalo”, composta por dois tubos e duas placas em ferro pintado, criada pelo mestre serralheiro Gonçalo Rodrigues dos Santos, no início do século XX. “Era de esperar que Lisboa tivesse uma cultura sofisticada de esplanadas bem enraizada”, diz Fernando Jorge.

O problema assume ainda mais importância quando se fala de esplanadas instaladas junto a monumentos classificados. É o caso das esplanadas do Largo do Carmo, no Chiado, um espaço protegido no Plano Director Municipal, onde fica a antiga Igreja do Carmo e o Chafariz do Aqueduto das Águas Livres. Nas fotografias publicadas no blogue do Forum Cidadania Lx, com data de Julho, vêem-se cadeiras e mesas de sala na rua, mesas de apoio encostadas às árvores, cadeiras quase em cima dos bancos públicos, menus de grandes dimensões.

Sá Fernandes garante que “agora as esplanadas do Largo do Carmo estão melhores”. A Câmara vai também intervir para melhorar as esplanadas da Calçada do Duque, colocadas entre os vãos de escada que descem do Bairro Alto para o Rossio, ocupando todo o espaço livre e tapando o caminho a quem está de passagem. Este é outro ponto crítico, admite o vereador.

Uma “grande fatia da responsabilidade” cabe, na opinião do arquitecto Fernando Jorge, às marcas de gelados e bebidas que oferecem “de forma irresponsável” milhares de cadeiras e mesas de plástico aos cafés e restaurantes. Os comerciantes poupam no mobiliário e agradecem. “Ajuda a vender o produto. E que mal tem um porta-guardanapos em forma de laranja?”, questiona um comerciante.

Fernando Jorge defende que a sensibilização e a disponibilização de apoios aos empresários são fundamentais para a mudança. A ideia encontra eco na câmara. Sá Fernandes quer que o processo seja “participado” e por isso tenciona “ir para o terreno” nas próximas semanas, falar com os empresários. Estes têm até 31 de Dezembro para aproveitar a isenção do pagamento de taxas de licenciamento das esplanadas que cumpram as novas regras.

Ainda assim, há quem diga que a isenção não compensa o investimento. Para ter 20 lugares de esplanada, por exemplo, o proprietário de um restaurante na Rua Augusta gastou cerca de 12 mil euros em todo o mobiliário, conforme as regras municipais. A licença ronda os 800 euros anuais.

Um filme indiano
As regras municipais destinavam-se inicialmente às esplanadas da Baixa Pombalina mas agora a câmara quer alargar o eixo de intervenção. A Rua das Portas de Santo Antão é uma das que se seguem. Numa visita àquela rua da freguesia de Santa Justa percebe-se porquê.

Ao lado de espaços de atracção cultural como o Coliseu dos Recreios ou o Teatro Politeama, há restaurantes com esplanadas desordenadas, cadeiras de plástico e mesas de alumínio, publicidade colada nas caixas exteriores de ar condicionado. Alguns estabelecimentos são propriedade de estrangeiros, sobretudo indianos, que Sá Fernandes caracteriza como "mais indisciplinados".

Alguns comerciantes que falaram ao PÚBLICO admitem que já foram abordados pela Polícia Municipal. Nunca pagaram uma multa. "Se o IVA aumenta, a câmara chateia e os clientes não vêm, pensamos em fechar. É difícil sobreviver", diz, num português embrulhado, Shajam, gerente de um restaurante indiano. Este estabelecimento tem uma esplanada ilegal na Rua dos Condes (perpendicular à Rua das Portas de Santo Antão), mesmo ao lado do que resta do edifício do cinema Odéon, cada vez mais decadente.

A esplanada é composta por mesas de madeira, com cadeiras de plástico e de sala. Para tapar o sol, que ali dificilmente se deixa ver, um chapéu de praia. O quadro fica completo com vasos de flores à entrada e uma enorme placa de madeira a anunciar a ementa. O gerente diz que é preciso atrair os clientes, mas à hora do almoço não se vê lá ninguém.

“Já aconteceu mais do que uma vez virem os bombeiros e as pessoas terem que se levantar das esplanadas, para podermos tirar as mesas e deixar passar os carros”, reconhece o dono de um pequeno restaurante na Rua das Portas de Santo Antão. Paga 150 euros por ano para ter 12 cadeiras na rua. No dia em que falou ao PÚBLICO, tinha “temporariamente” 14 cadeiras na esplanada, onde estava apenas um cliente, e mais algumas empilhadas num canto. Por ali, não se via um único polícia à hora do almoço.

Nos próximos meses, a fiscalização vai apertar, garante Sá Fernandes. O objectivo é ter a cidade "ordenada", sobretudo as zonas com maior potencial turístico. Mas não é só para agradar aos turistas que o vereador tem travado esta batalha. “Esplanadas melhores significam mais qualidade de vida para quem vive em Lisboa”, afirma, destacando também o trabalho feito com os quiosques. Desde que assumiu o cargo, em 2007, abriram 40 quiosques na cidade e o objectivo é abrir mais dez até ao final do mandato. "Há uma nova vivência em muitos locais, só foi preciso aproveitar o que a cidade já tinha", remata.