Pak fugiu da Coreia do Norte mas voltou e deram-lhe uma casa

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O regresso de Pak está a ser utilizado como propaganda do regime agora liderado por Kim Jong-un Damir Sagolj/Reuters

Pak Jong-suk é um improvável símbolo nacional. Mas também tem a história perfeita, daquelas que agradam às autoridades norte-coreanas, que procuram novas formas de fazer o povo amar o seu líder e permanecer dentro das fronteiras.

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Pak Jong-suk é um improvável símbolo nacional. Mas também tem a história perfeita, daquelas que agradam às autoridades norte-coreanas, que procuram novas formas de fazer o povo amar o seu líder e permanecer dentro das fronteiras.

Pak esteve numa conferência de imprensa de 80 minutos num palácio em Pyongyang (a capital da Coreia do Norte) e foi depois a protagonista de uma série de seis artigos da agência noticiosa estatal. Às vezes choramingando, às vezes extasiada, Pak - que o Governo do Sul diz ser um dos rarissimos casos de um desertor que regressou ao Norte - descreveu as suas dificuldades no Sul "corrupto" e movido pelo dinheiro e pediu desculpa por ter fugido. Elogiou o jovem novo líder coreano, Kim Jong-un, por ter um "coração carinhoso" e lhe ter perdoado a criminosa traição.

Porém, os que conheciam Pak na Coreia do Sul - e também as autoridades de Seul - dizem que há um lado negro nesta sua ascensão a estrela da propaganda norte-coreana. A sua história, dizem, é em grande parte falsa e provavelmente construída pelo regime, e expõe a forma como a Coreia do Norte manipula um cidadão que regressou não por saudades da pátria, mas por recear pela segurança do filho. "A maternidade foi usada para fins políticos", diz Park Sang-hak, um desertor que era amigo de Pak em Seul.

De acordo com a história que contou em Junho no palácio, sentada debaixo de fotografias dos antigos líderes Kim Il-sung e Kim Jong-il, Pak nunca quis ir para a Coreia do Sul. Foi enganada por agentes de espionagem sulistas depois de ter atravessado a fronteira para a China. Os agentes, disse, estavam disfarçados de chineses e levaram-na para um barco - supostamente para Qingdao, na China, onde poderia encontrar-se com o seu pai. Em vez disso, foi drogada e acordou em Seul, onde ficou sob vigilância do Governo e ganhou dinheiro a limpar estações de metro e a cuidar de um homem de 90 anos "que não se mexia nem podia ir à casa de banho". Decidiu regressar à Coreia do Norte em Dezembro do ano passado, quando a notícia da morte de Kim Jong-il a atingiu como "um raio caído do céu", disse na conferência de imprensa que foi relatada pela Associated Press.

É impossível confirmar muito do que os amigos, os familiares e os funcionários governamentais dizem sobre a história de Pak. Os comentários dos funcionários sul-coreanos podem ser motivados pelo desejo de retratar o rival do Norte de forma negativa. E alguns dos amigos e familiares de Pak - que no início estavam relutantes em contar a sua versão - aceitaram falar porque querem que Pak saia sem culpa desta história, querendo reforçar publicamente a sua convicção de que ela agiu no interesse da sua família.

Salvar o filho?

Amigos chegados e familiares de Pak na Coreia do Sul, e funcionários governamentais que estudaram este caso, dizem que Pak - conhecida por Park In-sook quando vivia no Sul - só regressou porque acreditou que tinha que o fazer. Enquanto viveu em Seul, dizem todos, estava preocupada com o filho, um violinista na casa dos 30 anos cuja vida se desmoronou por uma única razão: foi punido pela fuga da mãe.

Quando Pak fugiu para o Sul, em 2006, o filho, Kim Jin Myong, deu a mãe como morta, segundo H. W. Lee, um primo de Pak que é presidente de uma companhia de produtos relacionados com aeronáutica e energia em Seul. Mas as autoridades norte-coreanas souberam da deserção, diz Lee, quando prenderam um passador que ajudou Pak a fugir. O passador deu às autoridades os nomes de todos os que tinha ajudado, e o filho de Pak perdeu o emprego que tinha numa prestigiada escola de música. Kim Jin Myong, a mulher e os filhos receberam ordem de "realojamento" na pobre e rural província de Hwanghae, e foram submetidos a uma apertada vigilância policial.

Segundo os familiares e amigos que viviam no mesmo bloco de apartamento de Seul onde Pak morava, foi entre 2009 e 2010 que ela soube o que acontecera ao filho, durante uma conversa telefónica com os pais da nora, que são funcionários do partido em Pyongyang.

Os amigos dizem que, depois de saber o que acontecera ao filho, Pak ficou desesperada e perguntava, em voz alta, se viveria ou morreria se regressasse à Coreia do Norte. Os pais da nora encorajaram-na a regressar, disseram-lhe que era a única forma de reabilitar e reunir a família. Os funcionários sul-coreanos sugerem que Pak terá sido chantageada, com ameaças à segurança do filho, mas recusaram ser entrevistados e contar os pormenores dessa ameaça.

"Para mim, Pak tinha duas opções", diz Park Soo-jin, um porta-voz do Ministério da Unificação sul-coreano, para quem as declarações da mulher sobre espiões explicam a veracidade do caso. "Ou ela rejeitava a proposta da Coreia do Norte e assumia o futuro incerto do filho, ou regressava", acreditando que a família seria reunida.

Pak viveu sozinha no 10.º andar de um prédio na zona leste de Seul. Tem familiares na Coreia do Sul - meios-irmãos e primos - porque a sua família foi dividida durante a guerra da Coreia, tendo o seu pai ficado a viver no Sul e constituído uma nova família. (O pai de Pak morreu aos 95 anos, poucas semanas depois da filha chegar a Seul).

Ora esmagada, ora feliz

Os que conheceram Pak em Seul dizem que ela se ajustou ao Sul, como fizeram outros desertores norte-coreanos. Umas vezes sentia-se esmagada, outras sentia-se feliz com tanta liberdade. Passava o tempo a assistir a concertos de música clássica na televisão ou a ler biografias de políticos sul-coreanos. Vivia de forma frugal, enviando quase todas as suas poupanças - milhares de dólares, dizem os amigos - ao filho. Também perdeu milhares de dólares ao ser burlada num esquema de pirâmide, segundo um amigos mais próximos, também desertor e que não se quis identificar, pois ainda tem família do outro lado da fronteira.

Apesar destes problemas e da culpa que sentia em relação ao filho, Pak disse aos amigos que estava contente por ter deixado a Coreia do Norte, que descrevia como um "Inferno". Numa entrevista que deu em 2011 a uma organização cívica que recolhe informação sobre desertores, disse que estava "maravilhada" com a sociedade sul-coreana: as luzes, a abundância de comida, as ruas cheias de carros. "Como é que as duas Coreias se desenvolveram de uma forma tão diferente?".

O regresso ao Norte apanhou de surpresa quase todos os amigos e familiares, também surpreendidos com a recepção a que teve direito. Na conferência de imprensa apareceu com o filho e a nora e, segundo os media estatais de Pyongyang, a família recebeu um apartamento novo e equipado. Não houve referências ao realojamento prévio do filho. "O estado mostrou carinho pela minha desgraçada família", disse o filho de Pak, citado pelos media locais.

Pak regressou num momento em que o Norte reforçava a segurança nas fronteiras e se esforçava por diminuir as deserções - uma forma de manter a estabilidade enquanto Kim Jong-un solidificava o seu poder. A propaganda à volta de Pak foi planeada para "evitar mais deserções", disse Kim Soo-am, investigador do Instituto Coreano para a Unificação Nacional, financiado por Seul. Familiares e amigos continuam sem saber se Pak conhecia a forma como a sua história iria ser usada.

Meses antes de partir, Pak vendeu o seu apartamento e a maior parte dos seus bens, contam responsáveis do Governo. Fez as malas com 20 quilos de roupa e medicamentos. Lee, o primo, deu-lhe centenas de dólares. Tentou manter os planos em segredo, dizendo que ia para a China, e só quando lá chegou revelou a sua intenção - telefonou a Lee e disse-lhe que ia embarcar num avião para a Coreia do Norte. O primo perguntou-lhe se estava preocupada com o filho. "O quê, estás maluco?", disse Pak. Depois começou a chorar e desligou.

Exclusivo PÚBLICO/The Washington Post