A Coreia em Paris

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 "Noite e Dia", de Hong Sang Soo
Edição Clap
Sem extras

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Temos visto chegar às salas vários filmes coreanos, alguns deles nada maus, quase todos a trabalharem numa lógica de género (o policial, o terror) e, dentro do género, numa lógica da violência, por vezes bem brutalista. De Hong Sang Soo, que é o contrário disso, só chegou ao circuito português Noite e Dia, agora lançado em DVD depois de uma discreta passagem pelas salas, tão discreta que terá desincentivado o distribuidor a reincidir. É pena, porque Hong Sang Soo não é só a melhor coisa do cinema coreano actual, é uma das melhores coisas do cinema mundial contemporâneo - e porque alguns dos filmes posteriores a este Noite e Dia (que é só de 2008, mas Hong trabalha depressa), como "Hahaha" e Like You Know It All, juramos nós.

Noite e Dia é o seu filme "francês". Um indivíduo coreano, para fugir à justiça do seu país (foi apanhado a fumar um charro), apanha o primeiro avião para fora de Seul e vai dar a Paris. A acção começa no aeroporto, no momento em que ele chega - procedimento típico de Hong, cujos filmes são frequentemente a história de alguém que chega a algum lugar de desenraizamento. A ironia de Noite e Dia é que o desenraizamento é relativo: à noite o homem chora ao telefone com a mulher, tem saudades dela e saudades de casa, mas durante o dia é como se nunca tivesse saído da Coreia, porque Hong transforma Paris numa colónia de coreanos. Coreanos e, sobretudo, coreanas, incluindo mesmo uma ex-namorada do nosso herói. De lugar em lugar, de mulher em mulher, de bebedeira em bebedeira (bebe-se mais nos filmes de Hong do que nos filmes de Ferrara...), Noite e Dia é uma crónica da incerteza e da (falta de) convicção, uma farsa em câmara lenta, uma observação da psicologia através do comportamento, resolvida em ironia finíssima. Hong, numa estrutura onde o improviso parece ser importante, compõe cada cena, mais breve ou mais longa, em torno de um conflito ou de uma pequena aventura - pode ser, por exemplo, o regresso à pensão, numa cidade desconhecida, debaixo de uma carga de água (nuvens e aguaceiros são quase um leitmotiv em Noite e Dia). Um equilíbrio perfeito entre graça e gravidade, entre ironia e seriedade. Se perdeu Noite e Dia em sala, dê-lhe uma chance agora em DVD. Temos que ser mais a querer mais Hong Sang Soo.

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 "Noite e Dia", de Hong Sang Soo
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Temos visto chegar às salas vários filmes coreanos, alguns deles nada maus, quase todos a trabalharem numa lógica de género (o policial, o terror) e, dentro do género, numa lógica da violência, por vezes bem brutalista. De Hong Sang Soo, que é o contrário disso, só chegou ao circuito português Noite e Dia, agora lançado em DVD depois de uma discreta passagem pelas salas, tão discreta que terá desincentivado o distribuidor a reincidir. É pena, porque Hong Sang Soo não é só a melhor coisa do cinema coreano actual, é uma das melhores coisas do cinema mundial contemporâneo - e porque alguns dos filmes posteriores a este Noite e Dia (que é só de 2008, mas Hong trabalha depressa), como "Hahaha" e Like You Know It All, juramos nós.

Noite e Dia é o seu filme "francês". Um indivíduo coreano, para fugir à justiça do seu país (foi apanhado a fumar um charro), apanha o primeiro avião para fora de Seul e vai dar a Paris. A acção começa no aeroporto, no momento em que ele chega - procedimento típico de Hong, cujos filmes são frequentemente a história de alguém que chega a algum lugar de desenraizamento. A ironia de Noite e Dia é que o desenraizamento é relativo: à noite o homem chora ao telefone com a mulher, tem saudades dela e saudades de casa, mas durante o dia é como se nunca tivesse saído da Coreia, porque Hong transforma Paris numa colónia de coreanos. Coreanos e, sobretudo, coreanas, incluindo mesmo uma ex-namorada do nosso herói. De lugar em lugar, de mulher em mulher, de bebedeira em bebedeira (bebe-se mais nos filmes de Hong do que nos filmes de Ferrara...), Noite e Dia é uma crónica da incerteza e da (falta de) convicção, uma farsa em câmara lenta, uma observação da psicologia através do comportamento, resolvida em ironia finíssima. Hong, numa estrutura onde o improviso parece ser importante, compõe cada cena, mais breve ou mais longa, em torno de um conflito ou de uma pequena aventura - pode ser, por exemplo, o regresso à pensão, numa cidade desconhecida, debaixo de uma carga de água (nuvens e aguaceiros são quase um leitmotiv em Noite e Dia). Um equilíbrio perfeito entre graça e gravidade, entre ironia e seriedade. Se perdeu Noite e Dia em sala, dê-lhe uma chance agora em DVD. Temos que ser mais a querer mais Hong Sang Soo.