Dardenne 
quase pop

Irrompeu “Rosetta” (violentíssima Palma de Ouro de Cannes em 2009), e o cinema dos belgas Dardenne passou a viver assombrado pelo irrepetível - e condenado a repeti-lo. Logo no filme que fizeram a seguir, “O Filho” (2002), que até era denso, ambíguo, pastoso, instalava-se qualquer coisa da ordem da sabotagem (involuntária): àqueles planos sobre a nunca de Olivier Gourmet, por exemplo, não escapava um sentimento de “fabricação”, como se antes de tudo, antes da violência, se evidenciasse o dispositivo que fabricava o tormento dessa personagem de um pai atrás do assassino (um miúdo) do filho.

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Irrompeu “Rosetta” (violentíssima Palma de Ouro de Cannes em 2009), e o cinema dos belgas Dardenne passou a viver assombrado pelo irrepetível - e condenado a repeti-lo. Logo no filme que fizeram a seguir, “O Filho” (2002), que até era denso, ambíguo, pastoso, instalava-se qualquer coisa da ordem da sabotagem (involuntária): àqueles planos sobre a nunca de Olivier Gourmet, por exemplo, não escapava um sentimento de “fabricação”, como se antes de tudo, antes da violência, se evidenciasse o dispositivo que fabricava o tormento dessa personagem de um pai atrás do assassino (um miúdo) do filho.


Era o “estilo Dardenne”. (Se nos distanciássemos emocionalmente, não seria difícil sentir um efeito de caricatura a instalar-se.) “O Silêncio de Lorna” (2008) exponenciaria o dilema: como se não houvesse outra alternativa a não ser recriar - um efeito, uma sensação, forçando até um argumento - aquilo que deveria existir como puro movimento, energia e obsessão.

Talvez seja por isso que não consigamos deixar de sentir que a nova descoberta dos belgas, Thomas Doret, 10 anos, que aparece sempre de cores garridas, sobretudo o vermelho - interpreta Cyril e não descansa enquanto não encontra o pai que o abandonou - como um traço gráfico a forçar a sua visibilidade no ecrã. Isso retira alguma capacidade de admiração perante o que se passa ali, apesar de, como sempre nos Dardenne, podermos ser subjugados a espaços pelo movimento incessante, pela teimosia pungente de uma personagem. Nesta forma de baralhar para dar de novo, há, em “O Miúdo da Bicicleta”, a procura de uma abertura (ao “mainstream”): intromissão de cores quase pop e luz do sol, utilização de música para aconchegar a sofreguidão da personagem, como se a quisesse compensar (no futuro poderá vir o quê, um musical?), o recurso a uma estrela, Cecile de France (é a cabeleireira que se interessa pelo destino de Cyril), a opção por filmar a aprendizagem do amor sobre o resto - é a cabeleireira que interrompe a correria de Cyril. Fundamentalmente: a subjugação a um formato reconhecível, o melodrama. Ou seja, tudo menos obscuro. O que faz de Thomas Doret/Cyril um caso de fácil adesão mas também menos memorável do que a Rosetta/Émilie Dequenne do homónimo e inacreditável filme dos Dardenne.

Os cineastas disseram numa entrevista, na altura da estreia do filme no Festival de Cannes, que a questão para eles sempre foi não ter medo de colocar a câmara no pior lugar, não ter medo de captar as costas de um actor, por exemplo, em vez do seu olhar. Mas então o problema em “O Miúdo da Bicicleta” é a câmara parecer ter sido colocada sempre no melhor lugar.