Retrocesso civilizacional

Andam a dizer que as "sitcoms" clássicas estão de volta. Pode (ainda) ser um exagero, mas não augura nada de bom

Fotogaleria

No outro dia, o meu patrão começou a falar do “regresso da 'sitcom'”. Se bem me lembro, tinha lido no “The New York Times” que os estúdios tinham voltado a apostar no formato, porque fazer "sitcoms" sai barato e não há dinheiro, e queria que se escrevesse sobre isso.

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

No outro dia, o meu patrão começou a falar do “regresso da 'sitcom'”. Se bem me lembro, tinha lido no “The New York Times” que os estúdios tinham voltado a apostar no formato, porque fazer "sitcoms" sai barato e não há dinheiro, e queria que se escrevesse sobre isso.

Ora, a boa notícia é que as "sitcoms clássicas", com público no estúdio, baixos valores de produção e gargalhadas engarrafadas, não estão bem de volta. E continuam a existir comédias incríveis que não têm medo de arriscar, algumas até têm audiências e ganham prémios. A má notícia é que se estrearam mais "sitcoms" absurdamente fracas, para já não dizer sexistas e racistas, do que aquilo que é habitual. E parece que, pelo menos duas, vieram para ficar, juntando-se a outras igualmente detestáveis como “Two and a Half Men” ou “The Big Bang Theory”. É parte do retrocesso civilizacional a que o título alude.

O que ofende em séries novas como “New Girl” (protagonizada por Zooey Deschanel), “Whitney” ou “2 Broke Girls” (estas duas partilham uma criadora: Whitney Cummings) não é o facto de seguirem à risca um formato obsoleto. Isso também ocorria nas primeiras temporadas de “How I Met Your Mother”, que eram excelentes. O que ofende são as personagens fracas e as piadas ainda piores, a falta de originalidade, o amontoar de clichés, o facto de ninguém ali ser mais do que um estereótipo. E o machismo. Sim, o machismo.

“New Girl”, “Whitney” e “2 Broke Girls” são "sitcoms" protagonizadas por mulheres, o que, à partida, pode parecer bom e progressista. Mas basta ver dois minutos de um episódio para perceber que não é o caso. Em “New Girl”, Zooey Deschanel interpreta Jess, uma totó desajeitada que não consegue fazer nada sem um homem, pelo que quando é deixada pelo namorado vai morar com três desconhecidos. Porque as mulheres não conseguem fazer nada sem um homem, perceberam?

Mas o pior são mesmo as séries da senhora Whitney Cummings. Aqui não há protagonistas burras, há pior. Há miúdas giras que só se dão com homens na cama, mas com quem o público masculino se pode identificar, porque têm um sentido de humor “que eles percebem” – isto é, fazem piadas básicas sobre coisas hilariantes como as violações.

Regresso à outrora magnífica “How I Met Your Mother”. Lá, três homens e duas mulheres passam a vida juntos e são os melhores amigos do mundo. Isso não acontece no mundo de Whitney, onde os homens e as mulheres só se encontram na cama, e durante três minutinhos, que é para não cansar. E não querem que eu fale em retrocesso civilizacional…

Nota: O título do texto foi roubado ao Rodrigo Nogueira que também escreve neste espaço. Façam um favor a vocês mesmos e leiam os textos dele. Vá.