Mais de metade do território mundial dos anfíbios estará em perigo até 2080

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Um sapo Dendrobates azureus, espécie da América do Sul ameaçada pela destruição da floresta Siggi Bucher/Reuters

Nem todos os anfíbios têm a sorte de algumas salamandras na Califórnia, que passam a maior parte do ano enterradas, evitando as ameaças, numa estratégia de sobrevivência que funciona há milhões de anos.

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Nem todos os anfíbios têm a sorte de algumas salamandras na Califórnia, que passam a maior parte do ano enterradas, evitando as ameaças, numa estratégia de sobrevivência que funciona há milhões de anos.

Um estudo publicado na quinta-feira na revista “Nature” baralhou as estimativas da comunidade científica e concluiu que as previsões – que já eram preocupantes – sobre a capacidade de resiliência destes animais eram, afinal, “conservadoras”.

“O nosso estudo é o primeiro que investiga, de forma explícita e global, a interacção potencial dos três dos principais factores de ameaça para os anfíbios: destruição dos habitat, alterações climáticas e presença do fungo Batrachochytrium dendrobatidis que causa a doença dos anfíbios chytridiomycosis”, disse ao PÚBLICO um dos autores do estudo, Miguel Araújo, investigador da Universidade de Évora e do Museu Nacional de Ciências Naturais de Madrid.

Actualmente, as populações de anfíbios – como rãs, sapos, tritões e salamandras – registam declínios em todas as regiões do planeta, fruto de uma combinação perigosa de ameaças, como a poluição, o tráfico e espécies exóticas invasoras. Como resultado, 30% de todas as espécies de anfíbios – que ajudam a controlar potenciais pragas dado que se alimentam de insectos transmissores de doenças, - estão hoje na Lista Vermelha da União Internacional da Conservação da Natureza (UICN). As estimativas actuais baseiam-se apenas num factor de ameaça – especialmente focadas em modelos climáticos - e em áreas mais ou menos localizadas. Por isso, Miguel Araújo acredita que “a probabilidade de persistência de muitas espécies é inferior às estimativas”. A extinção de anfíbios vai acelerar ao longo deste século, revela a investigação sobre o destino de 5527 espécies.

Zonas mais ricas em espécies são as mais ameaçadas

Outra das conclusões do estudo sobre a distribuição geográfica das três maiores ameaças aos anfíbios – cujo autor principal é Christian Hof, investigador da Universidade de Copenhaga e do Museu Nacional de Ciências Naturais de Madrid - é que as áreas de maior riqueza de espécies – em África, América do Sul e Andes - são também as mais expostas aos perigos. Mais de dois terços dos hotspots de biodiversidade serão fortemente afectados até 2080 por, pelo menos, uma das três ameaças estudadas.

Os investigadores descobriram ainda que “existe uma elevada coincidência entre as áreas de maior impacte climático e as áreas de maior intensidade de destruição de habitat”, disse Miguel Araújo por email, a partir do Chile. Além disso, “contrariamente ao que se pensava, descobrimos que as áreas com maior probabilidade de ocorrência do fungo Batrachochytrium não coincidem com as áreas onde os impactes climáticos são mais elevados”.

Mas ainda fica muito por saber. “A nossa análise é necessariamente grosseira, já que analisámos ameaças para mais de 5000 espécies à escala global”, comentou o investigador. “Conhecer a resposta diferenciada de cada espécie às diferentes ameaças é o desafio que temos pela frente.”

Questionado em relação às soluções para travar este cenário, Miguel Araújo não tem dúvidas. “Não creio que exista uma resposta da comunidade internacional que esteja à altura das ameaças que afectam os anfíbios”.