Mayer Hawthorne

Foto

“Welcome to motor town”, canta então, falsete bem colocado com a alma de Curtis Mayfield a estalar os dedos em aprovação, guitarra a colar-se ao piano eléctrico, e nós a pensar “o homem fê-lo novamente”. “How Do You Do” não se afasta drasticamente do que conhecemos em “Strange Arrangement”, o álbum de estreia de Mayer. Soul de recorte clássico, solar e sedutora, com o equilíbrio bem conseguido entre a melodia que se cola à cabeça (que não se consegue impedir de abanar sincopadamente) e o ritmo que provoca reacção física imediata (e todos somos pessoas bonitas enquanto dançamos música assim). O segredo de “How Do You Do”, ou seja, a razão pela qual não o ouvimos como repetição de uma fórmula, está, como o diabo, nos detalhes. Está em “Finally falling”, que consegue a proeza de recuperar a agilidade melódica da pop dos anos 1980 - o refrão não engana -, ter por ali uma guitarra no limite do azeiteiro e uns foliões mas discretos sintetizadores e, ainda assim, pela mestria da produção, chegar até nós como clássico intemporal sem pachorra para espalhafato. Melhor, porém, é “Can''t stop”, um portento partilhado com Snoop Dogg onde orquestrações dramáticas rodopiam sobre coros gospel (que parecem saídos de uma tragédia grega), e duas vozes oferecendo dicas libidinosas à “lady” objecto de desejo - soa a um inesperado encontro entre “Eleanor Rigby” e a classe soul de Isaac Hayes, e é uma óptima surpresa. Depois ainda há “The news”, com vibrafone e andamento etílico - ou o que poderia ter sido se Tom Waits andasse pelos estúdios da Motown na década de 1960. Quanto a tudo o resto, deparamo-nos com Mayer Hawthorne, hoje sabedor inato nesta coisa da soul, a carregar nos botões certos. “The walk” é canção de desprezo toda ela “groove”, cantada em timbre Smokey Robinson; “Dreaming” é soul de ouvido posto nos Beatles; “Get to know you” é um tratado de engate cavalheiresco com cítara e violinos em pizzicato e deixa Marvin Gaye, onde quer que esteja, orgulhoso da descendência que deixou na Terra. Em “How Do You Do”, Mayer Hawthorne carregou na produção sem desvirtuar a música e alargou cuidadosamente o mapa estético. Continuou a mostrar um amor à soul e às canções que é tão precioso e empenhado quanto lúdico e despretensioso.

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

“Welcome to motor town”, canta então, falsete bem colocado com a alma de Curtis Mayfield a estalar os dedos em aprovação, guitarra a colar-se ao piano eléctrico, e nós a pensar “o homem fê-lo novamente”. “How Do You Do” não se afasta drasticamente do que conhecemos em “Strange Arrangement”, o álbum de estreia de Mayer. Soul de recorte clássico, solar e sedutora, com o equilíbrio bem conseguido entre a melodia que se cola à cabeça (que não se consegue impedir de abanar sincopadamente) e o ritmo que provoca reacção física imediata (e todos somos pessoas bonitas enquanto dançamos música assim). O segredo de “How Do You Do”, ou seja, a razão pela qual não o ouvimos como repetição de uma fórmula, está, como o diabo, nos detalhes. Está em “Finally falling”, que consegue a proeza de recuperar a agilidade melódica da pop dos anos 1980 - o refrão não engana -, ter por ali uma guitarra no limite do azeiteiro e uns foliões mas discretos sintetizadores e, ainda assim, pela mestria da produção, chegar até nós como clássico intemporal sem pachorra para espalhafato. Melhor, porém, é “Can''t stop”, um portento partilhado com Snoop Dogg onde orquestrações dramáticas rodopiam sobre coros gospel (que parecem saídos de uma tragédia grega), e duas vozes oferecendo dicas libidinosas à “lady” objecto de desejo - soa a um inesperado encontro entre “Eleanor Rigby” e a classe soul de Isaac Hayes, e é uma óptima surpresa. Depois ainda há “The news”, com vibrafone e andamento etílico - ou o que poderia ter sido se Tom Waits andasse pelos estúdios da Motown na década de 1960. Quanto a tudo o resto, deparamo-nos com Mayer Hawthorne, hoje sabedor inato nesta coisa da soul, a carregar nos botões certos. “The walk” é canção de desprezo toda ela “groove”, cantada em timbre Smokey Robinson; “Dreaming” é soul de ouvido posto nos Beatles; “Get to know you” é um tratado de engate cavalheiresco com cítara e violinos em pizzicato e deixa Marvin Gaye, onde quer que esteja, orgulhoso da descendência que deixou na Terra. Em “How Do You Do”, Mayer Hawthorne carregou na produção sem desvirtuar a música e alargou cuidadosamente o mapa estético. Continuou a mostrar um amor à soul e às canções que é tão precioso e empenhado quanto lúdico e despretensioso.