“Rebecca”, de Alfred Hitchcock (1940)

"E eu continuo a sonhar que volto a Manderley. Tantas vezes quantas revejo Rebecca”

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“Last night, I dreamt I went to Manderley again”. Quem ouvir estas palavras e as seguintes atendendo ao que dizem e ao seu tom de mágoa e infortúnio, não será fácil que as esqueça. São do início de “Rebecca”, de 1940, uma adaptação do romance de Daphne Du Maurier com o mesmo nome, que Alfred Hitchcock realizou, mas quem as diz é a segunda Mrs. de Winter (Rebecca tinha sido a primeira), falando de um sonho que a tinha feito voltar àquela casa, a um tempo que, como espectadores, acompanharemos em retrospectiva. A um tempo em que ela (uma bela interpretação de Joan Fontaine) se viu como a sucessora de uma mulher perfeita. Será possível substituir uma mulher perfeita? Talvez, se essa alegada perfeição tiver sofrido de alguma vulnerabilidade. Terá?...

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“Last night, I dreamt I went to Manderley again”. Quem ouvir estas palavras e as seguintes atendendo ao que dizem e ao seu tom de mágoa e infortúnio, não será fácil que as esqueça. São do início de “Rebecca”, de 1940, uma adaptação do romance de Daphne Du Maurier com o mesmo nome, que Alfred Hitchcock realizou, mas quem as diz é a segunda Mrs. de Winter (Rebecca tinha sido a primeira), falando de um sonho que a tinha feito voltar àquela casa, a um tempo que, como espectadores, acompanharemos em retrospectiva. A um tempo em que ela (uma bela interpretação de Joan Fontaine) se viu como a sucessora de uma mulher perfeita. Será possível substituir uma mulher perfeita? Talvez, se essa alegada perfeição tiver sofrido de alguma vulnerabilidade. Terá?...

Há mais perguntas interessantes e mais personagens: o viúvo de Rebecca, proprietário de Manderley, George Fortescu Maximilian de Winter (Laurence Olivier), a governanta, Mrs. Danvers (Judith Anderson, que já conhecemos de “Laura”, aqui talvez no seu papel mais memorável), o inoportuno Jack Favell, dito “primo favorito de Rebecca” (George Sanders, o crítico teatral em “All about Eve”). Mas o fantasma e o enigma de Rebecca nunca deixam de pairar sobre todos eles, condicionando-os constantemente, tal como ao espectador. Essa é a arte do realizador, que torna essa tensão sensível, usando-a para jogar connosco a seu bel-prazer, o que fez, sucessivamente, durante muitos anos, em outros filmes.

Se a personagem principal neste filme é o ambiente, e o ambiente é determinado por Rebecca, então Rebecca é, de facto, a personagem principal. Mas como pode o espectador manter interesse numa ausência? Pode, precisando de saber quem foi Rebecca e como desapareceu, que possibilidades tem aquela jovem inocente de a substituir, o que explica a obsessão de Mrs. Danvers pela sua anterior patroa, quantas surpresas continuarão ali ocultas.

Pode, porque ao jogo de Hitchcock, que lhe valeu a nomeação para o Óscar de melhor realizador, se junta o jogo de outros profissionais que justificaram outras nomeações: de melhores actores em papéis principais (Laurence Olivier e Joan Fontaine), melhor actriz em papel secundário (Judith Anderson), melhor direcção artística (Lyle R. Wheeler, nomeado também por “All about Eve”), melhor música original (Franz Waxman), melhor argumento (Robert E. Sherwood e Joan Harriosn), melhores efeitos especiais e melhor montagem. E dois dos nomeados ganharam mesmo: George Barnes, pela melhor fotografia, e David O. Selznick, produtor, pelo melhor filme.

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O fantasma e o enigma de Rebecca nunca deixam de pairar sobre os personagens DR

E eu continuo a sonhar que volto a Manderley. Tantas vezes quantas revejo “Rebecca”.

Texto reformulado dia 4/11/11 para se corrigir o equívoco de se ter inicialmente atribuído as palavras iniciais do filme à primeira Mrs. de Winter, quando são da segunda. O autor pede desculpa aos leitores por também ele ter sido vítima da presença opressiva de Rebecca.