Malick tinha encontro marcado com a Palma mas não apareceu

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O presidente do júri, Robert de Niro, ladeado pela melhor actriz, Kirsten Dunst, e o melhor actor, Jean Dujardin, este ano Foto: Eric Gaillard/Reuters

Era previsível, uma Palma de Ouro à espera. Mais de 30 anos depois da sua anterior presença em Cannes, a Palma foi para este "tímido incorrigível", como dizem os seus actores e produtores - mas discute Teologia com eles nas filmagens... -, que, como se esperava, primou pela ausência na soirée de ontem, depois de já não ter aparecido na conferência de imprensa do seu Tree of Life.

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Era previsível, uma Palma de Ouro à espera. Mais de 30 anos depois da sua anterior presença em Cannes, a Palma foi para este "tímido incorrigível", como dizem os seus actores e produtores - mas discute Teologia com eles nas filmagens... -, que, como se esperava, primou pela ausência na soirée de ontem, depois de já não ter aparecido na conferência de imprensa do seu Tree of Life.

É uma espécie de fantasma à nossa mesa, Malick: fantasma do cinema americano dos anos 70, que mudou, entretanto, mas ele, como o soldado que se refugiou na selva, não soube ou não quis saber que a guerra tinha acabado. É uma presença-ausência intimidante, "caso" só comparável ao de Stanley Kubrick, de que se falou, aliás, em Cannes, quando Tree of Life, história de uma família americana dos anos 50 e poema mitológico sobre a criação do Mundo, foi comparado a 2001 - Odisseia no Espaço. Faz sentido esta Palma, que se confunde com um prémio a uma obra rara. E é daquelas distinções que servem o historial de um palmarés.

A que já pertenciam o turco Nuri Bilge Ceylan (Grande Prémio do Júri para Distante e Prémio de Realização por Três Macacos) e os belgas Jean-Pierre e Luc Dardenne (duas Palmas de Ouro, por Rosetta e A Criança). Este ano, de novo, no Palmarés e ex aequo: os belgas com o seu filme mais mainstream, mais luminoso; o turco nem por isso, já que o seu foi o filme mais longo (2h37) do concurso e uma obra que recria uma certa ideia cerimoniosa e autoritária de "cinema de autor".

Para os prémios de interpretação masculina (Jean Dujardin em The Artist, filme mudo em que o actor recria a panache de estrelas como Douglas Fairbanks ou John Gilbert) e para o prémio de realização (Nicolas Winding Refn, por Drive), o júri mordeu o isco do sentido lúdico e de uma certa vontade de rejuvenescimento cool - pelo menos assim se entende a selecção a concurso da comédia muda e dessa versão algo atordoada de Fast and the Furious. Kirsten Dunst, prémio de interpretação feminina por Melancholia, de Lars von Trier, inscreveu no palmarés o "escândalo" desta edição, as declarações do realizador dinamarquês (Wagner, Hitler, os judeus...) que lhe valeram ser considerado persona non grata pelo festival. A actriz agradeceu ao festival ter permitido que o filme continuasse em competição.

O mais bonito

Para o fim o mais bonito, embora a noite tenha começado por aqui: Câmara de Ouro, o prémio para a melhor primeira obra em todas as secções do festival, para o argentino Las Acacias, de Pablo Giorgelli, exibido na secção Semana da Crítica. O filme começa com um deslumbrante plano de árvores, e essa é uma possibilidade de maravilhoso que se vai cumprir no road movie que se segue e em que se encontram, num camião e na auto-estrada que liga Assuncion, Paraguai, a Buenos Aires, Argentina, um camionista e uma mulher que traz um bebé: um jogo de olhares, do enfado inicial de seres não dispostos já a contemporizar com o desarranjo das rotinas, à descoberta que vão fazendo, deles próprios e um do outro, é delicado e silencioso e não obedece a nenhum plot na fórmula "formação de casal com bebé". Uma promessa, verdadeiramente, do país de Lucrecia Martel, Lisandro Alonso ou Daniel Burman.