Fotos de abusos de soldados dos EUA no Afeganistão lembram Abu Ghraib
São três as imagens divulgadas pela revista alemã "Der Spiegel", segundo a qual o Departamento de Defesa dos Estados Unidos quis impedir a embaraçosa publicação, por temer um efeito semelhante à divulgação de torturas e humilhações na prisão iraquiana, que em 2004 motivaram protestos contra os Estados Unidos um pouco por todo o mundo.
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São três as imagens divulgadas pela revista alemã "Der Spiegel", segundo a qual o Departamento de Defesa dos Estados Unidos quis impedir a embaraçosa publicação, por temer um efeito semelhante à divulgação de torturas e humilhações na prisão iraquiana, que em 2004 motivaram protestos contra os Estados Unidos um pouco por todo o mundo.
As fotos só estavam disponíveis na edição em papel, mas, segundo as descrições, duas mostram soldados a agarrarem pelos cabelos um civil assassinado deliberadamente pela sua unidade. Na outra, vêem-se os cadáveres de duas vítimas, sentadas de costas uma para a outra.
A comparação com Abu Ghraib foi feita por responsáveis militares da NATO no Afeganistão, que temem um efeito mais nefasto para as forças internacionais do que o caso de abusos no Iraque. “Este tipo de situação põe-nos em perigo e à coligação e dificulta as nossas relações com o povo afegão”, reconheceu também o porta-voz do Exército, coronel Thomas Collins, citado pelo jornal “The Seattle Times”.
O também norte-americano "New York Times" escreveu que a divulgação das imagens ameaça agravar a tensão entre os governos afegão e norte-americano e dá força aos taliban, que apresentam as tropas estrangeiras como uma força do mal. O caso junta-se a notícias recentes de morte de civis devido a operações militares.
No domingo à noite, segundo o britânico "The Guardian", organizações que actuam no Afeganistão e empregam estrangeiros, incluído as Nações Unidas, aconselharam os colaboradores a limitarem os movimentos e a permanecerem nos seus alojamentos. Para além da preocupação pelo efeito da divulgação das fotos, terá pesado o receio de ataques taliban durante as celebrações do ano novo persa.
A revista alemã investigou o caso durante cinco meses e escreve que no seio da unidade a que pertencem os acusados, as fotos de abusos, registados pelos próprios militares, “trocavam-se como cromos de uma colecção de futebolistas célebres”.
“Só publicamos uma ínfima parte, três de cerca de 4000 fotos e vídeos, apenas o indispensável para contar a história de uma guerra que começou com as melhores intenções, que devia perseguir terroristas da Al-Qaeda do Afeganistão, que foi autorizada por um mandato da ONU, mas que há muito se tornou uma outra guerra”, escreveu a "Spiegel".
Num caso descrito, em Maio do ano passado, durante uma acção de patrulhamento, a unidade deteve um “mullah” à beira da estrada e levou-o para uma estrada, onde o obrigou a ajoelhar-se. Em seguida, o sargento Calvin Gibbs, o chefe do grupo, lançou uma granada para o homem, ao mesmo tempo que ordenava que fosse baleado. Depois terá cortado um dedo e arrancado um dente à vítima. Mais tarde, os militares disseram aos superiores que o “mullah” os ameaçou com uma granada e não tiveram outra alternativa que não fosse atingi-lo.
Num comunicado, o Exército norte-americano apresenta desculpas pelo “sofrimento” provocado e diz que as fotos “repugnam enquanto seres humanos e contrariam os princípios e valores do Exército dos Estados Unidos”. “Estão em forte contradição com a disciplina, o profissionalismo e o respeito que caracterizaram os nossos soldados em quase dez anos de operações”, refere.
Uma parte dos abusos cometidos pela unidade da Stryker Brigade, que operou entre o Verão de 2009 e o de 2010 na província de Kandahar, e que se intitulava a si própria de “kill team” (algo como esquadrão da morte), já eram conhecidos, mas a divulgação de imagens pode dar outra visibilidade ao caso.
Os abusos foram objecto de inquérito, desencadeado a partir da denúncia de um dos envolvidos, e estão a ser julgados num tribunal marcial em Seattle. Cinco militares são acusados de assassínio premeditado de três civis e de mutilação de corpos. Um dos que aparece nas fotos é o cabo Jeremy Morlock, que responde por assassínio premeditado e incorria em prisão perpétua, mas aceitou colaborar com a justiça a troco de uma redução de pena. Outro militar que surge nas imagens da “Spiegel” é o soldado Andrew Holmes, acusado de envolvimento na execução de um homem.